O caput
do art. 6º da Lei n. 11.101⁄05, no que concerne à suspensão das ações por
ocasião do deferimento da recuperação, alcança os sócios solidários,
presentes naqueles tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos
consorciados não é limitada às suas respectivas quotas⁄ações, como é o caso,
por exemplo, da sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC⁄02) e da sociedade
em comandita simples, no que concerne aos sócios comanditados (art. 1.045 do
CC⁄02).
Embora a notícia de que foi aprovado o plano de recuperação
judicial da empresa da qual o agravante é sócio, não há falar na suspensão do
processo originário. Isso porque, a suspensão deferida no processo de
recuperação judicial e/ou do prazo legal ou mesmo de eventual prorrogação,
consoante a orientação jurisprudencial desta Corte, diz respeito somente ao
devedor principal, não alcançando os demais coobrigados, dentre eles o
avalista, como é o caso do recorrente.
Com efeito, o parágrafo 1º do art. 49 da Lei
11.101/05, afasta os efeitos da suspensão decorrente da recuperação judicial da
empresa em relação aos demais coobrigados.
A razão de ser da norma que determina, tanto na
falência quanto na recuperação judicial, a suspensão das ações ainda que de
credores particulares dos sócios solidários é simples, pois na eventualidade de
decretação da falência da sociedade os efeitos da quebra estendem-se àqueles,
nos mencionados tipos societários menores, mercê do que dispõe o art. 81 da Lei
n. 11.101⁄05:
Art. 81. A decisão que decreta a falência da
sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência
destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à
sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação,
se assim o desejarem.
Assim, na falência, a vis atractiva do Juízo
universal determina a suspensão das ações individuais contra o falido
(inclusive as dos sócios solidários), devendo o crédito ser habilitado na
execução concursal.
Na recuperação judicial, por sua vez, a crise da
empresa revela-se como a crise do próprio sócio ilimitada e solidariamente
responsável, devendo este participar ativamente do processo de soerguimento da
sociedade - e dele próprio -, sob pena de, futuramente, ser-lhe decretada a
falência por extensão da quebra da pessoa jurídica.
Nesse sentido, e por todos, confira-se o magistério
de Fábio Ulhoa Coelho:
Quando, por outro lado, se trata de sociedade de
tipo menor, é necessário distinguir a situação jurídica do sócio com
responsabilidade ilimitada (qualquer um, na sociedade em nome coletivo;
comanditado, na sociedade em comandita simples; acionista-diretor, na comandita
por ações) da dos que respondem limitadamente (comanditário, na comandita
simples e o acionista não diretor, na comandita por ações) pelas obrigações
sociais. Na falência, de sociedade de tipo menor, os bens dos sócios de
responsabilidade ilimitada são arrecadados pelo administrador judicial
juntamente com os da sociedade. Estão, assim, sujeitos à mesma constrição
judicial do patrimônio da falida (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. volume 3. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 286).
________________________
Situação diversa, por outro lado, ocupam os devedores
solidários ou coobrigados. Para eles, a disciplina é exatamente
inversa, prevendo a Lei expressamente a preservação de suas obrigações na
eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal.
Nesse sentido, é o que dispõe § 1º do art. 49 da
Lei:
§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial
conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e
obrigados de regresso.
Nem se alegue, em contrapartida, haver novação da
dívida com a aprovação do plano de recuperação judicial, tal como determina o
art. 59 da Lei n. 11.101⁄05. Uma interpretação sistemática do art. 49, § 1º, e
do art. 59 da Lei revela que a novação deve ser analisada em relação à dívida
principal, isoladamente, hipótese em que o acessório - como os pactos adjetos de
garantia - não seguem a sorte do principal, por força da exceção prevista no §
1º do art. 49.
Ademais, a novação resultante da aprovação do plano
de recuperação judicial deve ser considerada uma espécie sui generis que
não extingue, definitivamente, a obrigação anterior, uma vez que as disposições
previstas no plano e aprovadas na assembleia de credores estão sujeitas a uma
condição resolutiva, mercê do fato de que "[d]ecretada a falência, os
credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições
originalmente contratadas" (art. 61, § 2º).
Não fosse por isso, o aval é obrigação cambiária
que não guarda relação de dependência estrita com a principal assumida pelo
avalizado, subsistindo até mesmo quando a última for nula, conforme o
magistério de abalizada doutrina:
O aval é obrigação formal, independente e autônoma,
surgindo com a simples aposição da assinatura ao título, tornando inadmissível
ao avalista arguir falta de causa, opondo defesa de natureza pessoal, só
admissível ao aceitante.
"Uma vez que a obrigação do avalista é
equiparada à do avalizado, está claro que não é a mesma que esta, mas outra
diferente na sua essência, embora idêntica nos seus efeitos. Em virtude desta
dupla situação, por um lado, a falsidade, a inexistência ou a nulidade da
obrigação do avalizado não afeta a obrigação do avalista, não aproveitando a
este nenhuma das defesas pessoais, diretas ou indiretas, que àquele possa
legitimamente competir", diz José Maria Whitaker.
Daí afirmar Carvalho de Mendonça que o aval é obrigação
cambial assumida diretamente pelo avalista, a este não sendo lícito opor ao
credor que o acionar quaisquer exceções pessoais àquele, a favor de quem deu o
aval ou ainda a nulidade da obrigação do avalizado" (ALMEIDA, Amador Paes
de. Teoria e prática dos títulos de crédito. 29 ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 61)
________________________
Deveras, no caso de aval, por se tratar de
obrigação cambiária autônoma, ao avalista não socorre a suspensão das ações
ajuizadas em desfavor do avalizado que teve a recuperação judicial deferida,
sendo certo que sua obrigação, em face dos credores da empresa recuperanda,
deve ser preservada por expressa disposição legal.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO AJUIZADA EM FACE DE SÓCIO-AVALISTA DE PESSOA
JURÍDICA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O
caput do art. 6º da Lei n. 11.101/05, no que concerne à suspensão das ações por
ocasião do deferimento da recuperação, alcança apenas os sócios solidários,
presentes naqueles tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos
consorciados não é limitada às suas respectivas quotas/ações. 2. Não se
suspendem, porém, as execuções individuais direcionadas aos avalistas de título
cujo devedor principal é sociedade em recuperação judicial, pois diferente é a
situação do devedor solidário, na forma do § 1º do art. 49 da referida Lei. De
fato, "[a] suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n.
11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor" (Enunciado n. 43 da
I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ). 3. Agravo regimental não provido. (STJ
- AgRg no REsp: 1342833 SP 2012/0187499-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/05/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 21/05/2014)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO (ART. 544 DO CPC)- EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - PROSSEGUIMENTO DA
EXECUÇÃO EM RELAÇÃO AO AVALISTA - NOVAÇÃO DOS CRÉDITOS QUE NÃO ALCANÇA O AVAL -
ACÓRDÃO DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL,
MANTENDO HÍGIDA A DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR
SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DO EXECUTADO/AVALISTA. 1.
Inocorrência de contradição no julgado. O deferimento de recuperação judicial
em face da sociedade empresária não suspende a execução do título de crédito em
relação aos seus avalista, salvo do sócio com responsabilidade ilimitada e
solidária, o que não é o caso. 2. "A novação do crédito não alcança o
instituto do aval, garantia pessoal e autônoma por meio da qual o garantidor
compromete-se a pagar título de crédito nas mesmas condições do devedor".
Precedentes. 3. Embargos de declaração rejeitados. (STJ , Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de
Julgamento: 13/05/2014, T4 - QUARTA TURMA)
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL À EMPRESA CO-EXECUTADA. EXECUÇÃO
INDIVIDUAL. SUSPENSÃO. NÃO CABIMENTO. AUTONOMIA DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS NO
TÍTULO DE CRÉDITO EXEQUENDO. ACOLHIMENTO.
1.- Conforme o disposto art. 6º da Lei n.
11.101⁄05, o deferimento de recuperação judicial à empresa co-executada não tem
o condão de suspender a execução em relação a seus avalistas, a exceção do
sócio com responsabilidade ilimitada e solidária.
2.- Os credores sujeitos aos efeitos da recuperação
judicial conservam intactos seus direitos e, por lógica, podem executar o
avalista desse título de crédito (REsp 1.095.352⁄SP, Rel. Min. MASSAMI UYEDA,
DJe 3.2.11).
3.- O Aval é ato dotado de autonomia substancial em
que se garante o pagamento do título de crédito em favor do devedor principal
ou de um co-obrigado, isto é, é uma garantia autônoma e solidária. Assim, não
sendo possível o credor exercer seu direito contra o avalizado, no caso a
empresa em recuperação judicial, tal fato não compromete a obrigação do
avalista, que subsiste integralmente.
4.- Embargos de Divergência acolhidos.
(EAg 1.179.654⁄SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28⁄3⁄2012, DJe 13⁄4⁄2012)
________________________
RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - QUESTÃO DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO
FALIMENTAR - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211⁄STJ -
PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO - SUSPENSÃO DA
EXECUÇÃO EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA EMPRESA CO-EXECUTADA - POSSIBILIDADE -
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA - AUTONOMIA - PROSSEGUIMENTO - EXECUÇÃO - AVALISTAS -
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.
[...]
III - O deferimento do pedido de processamento de
recuperação judicial à empresa co-executada, à luz do art. 6º, da Lei de
Falências, não autoriza a suspensão da execução em relação a seus avalistas,
por força da autonomia da obrigação cambiária.
IV - Recurso especial parcialmente conhecido e,
nessa parte, improvido.
(REsp 1.095.352⁄SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 9⁄11⁄2010, DJe 25⁄11⁄2010)
________________________
Portanto, não há de ser suspensa a execução
direcionada a avalista pelo só fato de a sociedade avalizada encontrar-se em
recuperação judicial, pouco importando se o executado é também sócio da
recuperanda, uma vez não se tratar de sócio solidário.
Na I Jornada de Direito Comercial realizada pelo
CJF⁄STJ foi aprovado o Enunciado n. 43, segundo o qual "[a] suspensão das
ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101⁄2005 não se estende aos
coobrigados do devedor".
________________________
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO QUANTO AO SÓCIO SOLIDÁRIO, MULTIPLICIDADE DE AÇÕES – RECURSO REPETITIVO – LEADING CASE RECURSO ESPECIAL Nº 1.333.349 - SP
Atualmente, em 23/09/2014 o min. Luis Felipe
Salomão recebeu o Recurso Especial nº 1.333.349 – SP como Recurso Repetitivo em
razão das multiplicidades de ações sobre o tema que envolvem a possibilidade de
suspensão das execuções contra sócios solidários da empresa que teve aprovado
plano de Recuperação Judicial.
Logo os processos que versem sobre a suspensão de
execução direcionada contra sócio solidário de empresa com plano de Recuperação
aprovado, devem ser sobrestados na origem e suspensos em sede de recurso até
decisão final do STJ.
Abaixo a decisão monocrática do Ministro:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.333.349 - SP (2012/0142268-4)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : LUIZ GONZAGA LANZI
ADVOGADO : DANIEL MAXIMILIAN DE LUIZI GOUVEIA E
OUTRO(S)
RECORRIDO :
BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A
ADVOGADO : VANDERLEI VEDOVATTO E OUTRO(S)
DECISÃO
1. Cuida-se de recurso especial interposto por LUIZ
GONZAGA LANZI, com fundamento no art. 105, III, a , da Constituição Federal de 1988,
contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, assim ementado:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Coobrigados - Possibilidade
de serem acionados - Inteligência dos arts. 6º, caput, 49, § 1º e 59 da Lei n.
11.101/05 - Apelo provido (fl. 310).
-------------------------------------
Opostos embargos de declaração, foram eles
rejeitados.
Em suas razões recursais, o recorrente sustenta,
além de outras teses, ofensa ao disposto no art. 59 da Lei n. 11.101/2005 - Lei
de Falência e Recuperação de Empresa - e art. 365 do Código Civil. Aduz que a
aprovação do plano de recuperação opera novação dos créditos a ele submetidos,
razão pela qual pleiteia a exoneração da responsabilidade dos devedores
solidários.
É o relatório.
2. A controvérsia aqui apresentada já é de
conhecimento geral do STJ. Com o deferimento da recuperação judicial e, mais
adiante, com a aprovação do plano pela Assembleia de Credores, surgem
discussões acerca da posição a ser assumida por quem, juntamente com a empresa recuperanda,
figurou como coobrigado em contratos ou títulos de crédito submetidos à
recuperação.
Questiona-se, no mais das vezes, a aplicabilidade
dos seguintes artigos da Lei n. 11.101/2005: art. 6º, caput, parte final - relativamente
à previsão de suspensão das ações de credores particulares do "sócio
solidário"; art. 59, caput - referente à previsão de que o plano de
recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido.
Com efeito, verifico haver multiplicidade de
recursos que ascendem a esta Corte a versar controvérsia alusiva à
possibilidade do prosseguimento de ações de cobrança ou execuções ajuizadas em
face de devedores solidários ou coobrigados em geral, depois de deferida a
recuperação judicial ou mesmo depois de aprovado o plano de recuperação do devedor principal.
Por isso, afeto o julgamento do tema em destaque à
e. Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n.
8/2008.
Dê-se ciência, facultando-se-lhes manifestação no
prazo de 15 (quinze) dias (art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008), à FEBRABAN - Federação
Brasileiro dos Bancos - e ao IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial.
Oficie-se aos Presidentes dos Tribunais de Justiça
e Regionais
Federais, comunicando-lhes a instauração deste
procedimento, para que suspendam o processamento de recursos em que a
controvérsia ora destacada tenha sido estabelecida.
Comunique-se, com cópia deste despacho, aos e.
Ministros integrantes da Segunda Seção para os procedimentos previstos no art.
2º, § 2º, da Resolução n. 08/2008.
Após, vista ao Ministério Público Federal para,
querendo, oferecer manifestação em quinze dias (art. 3º, II, da Resolução n.
08/2008).
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 05 de setembro de 2014.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
(Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 23/09/2014)”