Patrick Mattos

Patrick Mattos

quarta-feira, 19 de março de 2014

INEXIGIBILIDADE DO ICMS E IPI NA IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO DESTINADO A USO PRÓPRIO POR PESSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE



A jurisprudência vem entendendo ser inexigível o ICMS e o IPI no caso de importação de bens por não contribuinte do imposto.

A mercadoria, além de ser um bem móvel, novo ou usado, somente se caracteriza como tal pela sua destinação ao comércio. O que é mercadoria para uma empresa não o é necessariamente para outra. Sua destinação dentro do patrimônio de cada empresa é decisiva. Assim, só poderiam ser contribuintes do ICMS, antes da Constituição de 1988, aqueles que lidassem com mercadorias visando essencialmente ao lucro, ou seja, que comprassem ou fabricassem para vender com lucro.

Era a destinação que definia ser ou não um produto mercadoria, só podendo ser contribuintes os comerciantes, produtores e industriais, pois quem adquirisse mercadoria sem o intuito de revendê-la passava a possuir um bem de consumo (ou ativo fixo) e não mais uma mercadoria.

O que ocorreu foi que os Estados tentaram, através de suas legislações, criar um novo fato gerador para o ICMS – a importação, e ampliar os produtos atingidos, isto é, passando a atingir também os “bens”, além das mercadorias. O STF resolveu a questão, evidenciando que o ICMS só poderia atingir mercadorias e nunca bens.

Não obstante longo período de divergências, o Supremo Tribunal Federal, depois de algumas decisões em sentido contrário, firmou o entendimento de que a pessoa física ou pessoa jurídica não-comerciante, não pode ser enquadrada como contribuinte do ICMS, mesmo quando importa mercadorias do exterior. E tal restou definido a partir do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 203.075/DF – Tribunal Pleno, j. 29.10.1999 – versando sobre a importação de veículo. Proclamou a respeito o Min. Maurício Corrêa, designado redator para o Acórdão:
“(...)
2. Estabelece o artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre ‘operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior’, dispondo seu inciso IX, alínea ‘a’, primeira parte, que o ICMS incidirá também ‘sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento’.
3. Do referido preceito sobressaem expressões significativas para se determinar a extensão da norma constitucional e a exigibilidade ou não do tributo na importação de bens por pessoa física: I) operação relativa à circulação de mercadoria; II) mercadoria; III) estabelecimento.
4. Desse modo, é de fundamental importância que se busque interpretar os princípios gerais de direito privado, para pesquisar a definição, o conteúdo e o alcance dos conceitos utilizados pela Constituição Federal que, por estarem prescritos na legislação comum, não podem ser alterados pela legislação tributária (CTN, artigos 109 e 110).
5. Com efeito, são hipóteses de incidência do ICMS a operação relativa à circulação e à importação de mercadorias, ainda quando se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento. No ponto, o termo operação exsurge na acepção de ato mercantil; o vocábulo circulação é empregado no sentido jurídico de mudança de titularidade e não de simples movimentação física do bem, e a expressão mercadoria é atribuída a designação genérica de coisa móvel que possa ser objeto de comércio por quem exerce mercancia com freqüência e habitualidade.
6. Por outro lado, cumpre observar que o termo consumo, empregado pela Constituição Federal ao dispor que o imposto incidirá também na importação de mercadoria, ainda que se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, diz respeito ao estabelecimento comercial e não à pessoa física que importa bens para seu gozo e fruição. A expressão estabelecimento tem o mesmo sentido do que lhe confere o Código Comercial (C. Com., artigo 1º, III, 2ª parte), de tal modo a designar o próprio local ou o edifício em que a profissão é exercida, compreendendo todo o conjunto de instalações e aparelhamentos necessários ao desempenho do negócio ou da profissão de comerciante, componentes do fundo de comércio.
7. Fixadas essas premissas, há que se concluir que imposto não é devido pela pessoa física que importou o bem, visto que não exerce atos de comércio de forma constante nem possui ‘estabelecimento destinatário da mercadoria’, hipótese em que, a teor do disposto no artigo 155, IX, alínea ‘a’, da Constituição Federal, o tributo seria devido ao Estado da sua localização (RE n.º 144.660-RJ, Pleno, redator para o acórdão Min. Ilmar Galvão, DJU 21.11.97).
8. Observo, ainda, a impossibilidade de se exigir o pagamento do ICMS na importação de bem por pessoa física, dado que, não havendo circulação de mercadoria, não há como se lhe aplicar o princípio constitucional da não-cumulatividade do imposto, pois somente ao comerciante é assegurada a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
9. Assim sendo, creio não poder afastar-me do que penso ser a melhor exegese para o cabal entendimento da regra constante da letra a, do inciso IX, do artigo 155 da Carta da República. De fato, se lido de um só fôlego o texto, poder-se-á extrair que o imposto é devido por se tratar de bem destinado a consumo, hipótese em que, a meu ver, se desfaz essa afirmação ao concluir o preceito com peremptória negativa desse primeiro enunciado, tanto mais que o imposto só é devido ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço.
10. A toda evidência, pessoa física, como é o caso dos autos, ‘de carne e osso’, não é pessoa jurídica para se transformar em estabelecimento destinatário da mercadoria!
(...).”

O artigo 155, II da CF, com instituir o ICMS, utilizou a expressão “mercadoria” que na acepção delineada pelo direito comercial é todo o bem adquirido para fins de revenda habitual, mediante lucro, ato típico de comércio, via de regra praticado por quem é tido legalmente como comerciante. Sinalizou, com nitidez, que só a circulação qualificada, ou seja, de mercadorias e não simplesmente de bens, é que submetida à tributação. Como lecionava Carvalho de Mendonça, “todas as mercadorias são necessariamente coisas; nem todas as coisas são, porém, mercadorias” (Tratado de Direito Comercial Brasileiro – terceira edição, vol. III, pág. 28); logo em seguida acrescentou o renomado comercialista: “não há, como se vê, diferença de substância entre coisa e mercadoria; a diferença é de destinação” (idem, ibidem).

Importa acrescentar, o Direito Tributário capta conceitos e submete-se a institutos e formas do direito privado, não podendo alterar-lhes a definição, o conteúdo ou o alcance (CTN – art. 110). Assim, o conceito de mercadoria, no que respeita ao ICMS, é de ser tido como o tem o Direito Comercial, ou seja, o bem móvel que se destina à mercancia, “introduzido no processo econômico circulatório”, como enfatiza José Souto Maior Borges (Questões Tributárias – Resenha Tributária – primeira edição – pág. 85)

Por isso quem, não sendo comerciante, promove a importação de bens para uso, gozo e fruição próprios, não comete circulação de mercadorias, fato típico submetido à exação. Como ressalta Roque Antônio Carrazza, “de fato, o ICMS sobre operações mercantis só pode ser exigido quando comerciante, industrial ou produtor pratica um negócio jurídico que transfere a titularidade de uma mercadoria” (ICMS – pág. 39 – Malheiros – sexta edição). Para resumir – quando o bem móvel tenha por finalidade a venda ou a revenda.

Esse o entendimento da jurisprudência, como se colhe dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal:
“IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS, EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE.
A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador a operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física.
Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS” (RE nº 185789-SP- Rel. Min. Maurício Corrêa- Pleno).

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. PESSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE E NÃO EMPRESÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA.
Veículo importado por pessoa física, que não é comerciante ou empresário, destinado ao uso próprio: não incidência do ICMS. Precedentes do STF” ( RE nº 191346-RS – Res. Min. Carlos Velloso – Segunda Turma).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA POR PESSOA FÍSICA. NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTE.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou exegese segundo a qual a Carta da República, ao dispor que o ICMS incidirá também na importação de mercadoria do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, estabeleceu-se à casa comercial e não à pessoa física que a realiza para seu gozo e fruição. Agravo regimental não provido.” (AGRRE – AG.REG. em RE nº 233935 –Rel. Min. Maurício Corrêa- Segunda Turma).

E a situação em nada se altera com a edição da Emenda Constitucional n.º 33. Com dar nova redação ao inciso IX, a) do artigo 155, o constituinte derivado não retirou o caráter eminentemente mercantil do ICMS, pois mesmo sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior, para qualquer finalidade, feita por pessoa física ou jurídica, exige, para que incida o tributo, que o importador seja contribuinte, ainda que não habitual. Ou seja, só alcança as importações do exterior se o destinatário for contribuinte do ICMS, qualificado ou não pela habitualidade. Afigura-se, pois, hipótese semelhante à da incidência do imposto nas operações interestaduais a consumidor final, reservada ao Estado de destino tão-só quando o destinatário for contribuinte do ICMS.

Em 2001 houve o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001, publicada no DOU de 17/12/2001, a qual trouxe relevantes alterações no Sistema Tributário Nacional, especificamente nos artigos 149, 155 e 177 da Constituição Federal.

E a situação em nada se altera com a edição da Emenda Constitucional n.º 33. Com dar nova redação ao inciso IX, a) do artigo 155, o constituinte derivado não retirou o caráter eminentemente mercantil do ICMS, pois mesmo sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior, para qualquer finalidade, feita por pessoa física ou jurídica, exige, para que incida o tributo, que o importador seja contribuinte, ainda que não habitual. Ou seja, só alcança as importações do exterior se o destinatário for contribuinte do ICMS, qualificado ou não pela habitualidade. Afigura-se, pois, hipótese semelhante à da incidência do imposto nas operações interestaduais a consumidor final, reservada ao Estado de destino tão-só quando o destinatário for contribuinte do ICMS.

Para CLÉLIO CHIESA (in O ICMS e a EC 33), o legislador incorreu em inconstitucionalidade ao modificar a alínea “a”, inciso IX, § 2º, do art. 155 da CF/88, com a finalidade de alcançar, por meio do ICMS, o ato de importar realizado por pessoa física ou jurídica que não é contribuinte do ICMS, pois afrontou a garantia assegurada ao contribuinte de não ser tributado concomitantemente por dois impostos sobre uma mesma base econômica.

Isso porque o ato de importar bens já figura como hipótese de incidência do imposto de importação. Mas não se diga que, em sendo assim, também não poderia incidir quando a aquisição fosse feita por pessoa sujeita à tributação por meio do ICMS, pois essa possibilidade foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro pelo poder constituinte originário, que é ilimitado, o que não ocorre com o poder constituinte derivado.

Portanto, como o ato de importar bens já é tributado por meio do imposto de importação (art. 153, I, da CF), tal evento não poderia ter sido eleito como hipótese de incidência de outro imposto. A bitributação, salvo as exceções previstas pelo poder constituinte de 1988, é constitucionalmente vedada.

Ademais, como é sabido, o ICMS é um imposto não-cumulativo. O montante devido na operação anterior deve ser deduzido do valor a ser pago na posterior.

O STF (RE nº 203.075-9, Rel. Carlos Velloso), baseando-se no princípio da não-cumulatividade, julgou inconstitucional a exigência do ICMS sobre bens importados por particulares, para uso próprio, por entender que, nessas hipóteses, não havia como se lhe aplicar esse princípio, pois somente o comerciante poderia compensar o que é devido na operação anterior com o montante a ser pago a título de ICMS na operação posterior.

Com a edição da Súmula 660 do STF, publicada no DJU de 09/10/2003, entendo que a questão restou pacificada:

“Súmula 660 do STF: Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”

O Superior Tribunal de Justiça também ratificou a decisão do Supremo Tribunal Federal, vejamos:

TRIBUTÁRIO. IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA. ENCERRAMENTO DA MATÉRIA PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente.
2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS”.
3. No entanto, o colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no REnº 203075/DF, Rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, dando nova interpretação ao art. 155, § 2º, IX, 'a', da CF/88, decidiu, por maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os Srs. Ministros Ilmar Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular.
4. No que se refere especificamente ao IPI, da mesma forma o Pretório Excelso também já se pronunciou a respeito: “Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, 'DJ' de 29.10.1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, 'DJ' de 20.11.1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, 'DJ' de 09.11.2001” (AgReg no RE nº 255682/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10/02/2006).
5. Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário.
6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.
(REsp 937629/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2007, DJ 04/10/2007, p. 203).

Atualmente o STF está enfrentando a matéria quanto ao IPI, porém requer a prévia discussão acerca da aplicabilidade da regra constitucional da não-cumulatividade, vejamos:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. IPI. IMPORTAÇÃO. PESSOA NATURAL. SUJEIÇÃO PASSIVA E NÃO-CUMULATIVIDADE. 1. Para entender cabível a sujeição-passiva da parte-agravante, o acórdão-recorrido interpretou o Código Tribuário Nacional, sem apoio na Constituição para justificar sua posição. Eventual violação da regra da legalidade seria indireta ou reflexa, no caso (Súmula 636/STF). 2. A aplicação do precedente relativo à não incidência do IPI sobre operação de importação de veículo por pessoa natural, para uso próprio, depende da prévia discussão acerca da aplicabilidade da regra constitucional da não-cumulatividade ao caso concreto. O prévio debate é necessário, pois a aplicação dos precedentes análogos, relativos ao ICMS, teve por fundamentação a violação da regra da não-cumulatividade (para o IPI, art. 153, § 3º, II da Constituição cf. o RE 255.682-AgR, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 10.02.2006). Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 529332 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 19/10/2010, DJe-217 DIVULG 11-11-2010 PUBLIC 12-11-2010 EMENT VOL-02430-01 PP-00148 RTFP v. 19, n. 96, 2011, p. 349-353)

Em 2013 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria, vejamos:

IPI – IMPORTAÇÃO – PESSOA NATURAL – AUTOMÓVEL – AUSÊNCIA DE ATIVIDADE EMPRESARIAL DE VENDA – AFASTAMENTO PELO JUÍZO – INCIDÊNCIA DO TRIBUTO RECONHECIDA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI na importação de veículo automotor, quando o importador for pessoa natural e o fizer para uso próprio, considerados ainda os limites da lei complementar na definição do sujeito passivo.

(RE 723651 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 11/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 28-05-2013 PUBLIC 29-05-2013 )

O STF vem entendendo pela não exigência de IPI nos mesmos moldes do ICMS conforme precedente abaixo:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE BEM PARA USO PRÓPRIO POR NÃO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A exigência de IPI na importação de bem para uso próprio por pessoa não contribuinte do tributo implica violação ao princípio da não cumulatividade. II – Agravo regimental improvido.

(RE 615595 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 03-05-2011 PUBLIC 04-05-2011 LEXSTF v. 33, n. 388, 2011, p. 167-172)

Com tais considerações, entende-se inexigível a incidência de IPI e ICMS no momento da operação de importação realizada por contribuinte não-habitual para uso próprio, em razão do princípio da não-cumulatividade.


terça-feira, 18 de março de 2014

MÉDICO E PLANO DE SAÚDE CONDENADOS POR RECUSA NO ATENDIMENTO EM RAZÃO DO BAIXO VALOR DA CONSULTA

                                                        (Imagem meramente ilustrativa. Foto: Arquivo TJRS)


A Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do RS condenou, por unanimidade, um médico e a Unimed Porto Alegre por recusa de atendimento a paciente que havia agendado consulta. A alegação do médico foi de que o plano pagava pouco.  
Caso
O autor da ação, após ter agendado consulta com o referido médico por meio da central de agendamento do plano de saúde Unimed-Unifácil, não foi atendido quando compareceu ao consultório. Segundo ele, o profissional se recusou a atendê-lo, afirmando que não mais pertencia àquele plano, pois pagava pouco. O diálogo ocorreu na sala de espera do consultório, na frente de outros pacientes.
Na Justiça, o autor ingressou com pedido de dano moral por se sentir humilhado perante os demais pacientes.
No 5º Juizado Especial Cível do Foro Central de Porto Alegre, o médico foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6 mil.
O paciente e o médico recorreram da decisão.
Julgamento
Segundo o Juiz de Direito Pedro Luiz Pozza, relator do recurso, durante o depoimento em Juízo, o médico confirmou que fazia parte do plano Unimed-Unifácil. Também foi constatado que o réu só pediu o desligamento do plano no dia do fato ocorrido.
Também ficou comprovado que o autor não foi informado previamente acerca da impossibilidade de atendimento pelo plano de saúde.
Não é minimamente razoável que um paciente com problemas cardíacos, depois de agendada sua consulta, depois de ter aguardado a data de atendimento, depois de seu efetivo comparecimento no consultório do profissional, suporte a deliberada recusa de atendimento porque o plano paga pouco, afirmou o magistrado.
Destacou ainda que, conforme o artigo 942 do Código de Defesa do Consumidor, há a responsabilidade solidária de todos que contribuem para a produção do evento danoso, no caso, a Unimed.
O médico cooperado age também em nome da cooperativa, aliás, foi apenas a condição de cooperado que permitiu a ocorrência do evento lesivo, pois, do contrário, o autor não teria agendado consulta com o médico requerido, ressaltou.
Com relação à indenização por dano moral, o relator diminui o valor para R$ 3 mil, por considerar excessivo o montante determinado na sentença.
Também participaram do julgamento os Juízes de Direito Cleber Augusto Tonial e Silvia Muradas Fiori, que acompanharam o voto do relator.
Recurso Inominado nº 71004636130
Texto retirado na integra do sitio do TJRS, disponível no link abaixo:

segunda-feira, 17 de março de 2014

DOS DIREITOS DO PROMITENTE-COMPRADOR NA RESCISÃO CONTRATUAL DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA POR ATRASO NA OBRA.





Comprar um imóvel na planta, ou seja, que ainda vai ser construído, exige muito cuidado e paciência para evitar um mau negócio.

São muitos e variados os problemas que podem surgir neste tipo de negócio, tais como: atraso na entrega das chaves; informações enganosas sobre metragem ou qualidade do acabamento; o “surgimento” de itens opcionais não incluídos no preço; problemas acústicos; embargos da obra durante e após a construção por irregularidades como falta de licença ambiental, falta de licença patrimonial, débitos fiscais, débitos trabalhistas, entre outros; irregularidades no recebimento da outorga onerosa.

Essa precauções evitam que o consumidor seja surpreendido no futuro com o inadimplemento do prazo previsto para a entrega da obra, frustrando assim a sua expectativa em morar e mobiliar o imóvel.

Estando a obra em atraso poderá o consumidor optar em acatar um novo prazo de entrega por meio de termo aditivo com alguma compensação por parte da construtora ou na rescisão da promessa de compra e venda com a devolução integral das parcelas pagas com encargos legais, multa e danos morais.

Abaixo iremos definir as abusividades e direitos que o consumidor obtém na rescisão da promessa de compra e venda por culpa exclusiva da construtora.

1.DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA

A maioria das construtoras incluem em seus contratos de adesão, a denominada “CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA” que permite uma prorrogação de 180 dias no prazo de conclusão da obra.

Não existe uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o cabimento desta cláusula nos instrumentos de promessa de compra e venda, havendo decisões diferentes pelos Tribunais Pátrios.

Atualmente a decisão majoritária é pelo cabimento da cláusula de tolerância, pois representa cláusula padrão nos contratos da espécie, considerando que se trata de empreendimento complexo e sujeito a situações involuntárias das mais variadas, ditas de força maior, que podem levar ao atraso na entrega de unidades edilícias, descaracterizando que se trate de cláusula abusiva, vejamos:

Ementa: AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. ENTREGA DO BEM DENTRO DO PRAZO PREVISTO. A previsão contratual da tolerância de 180 dias na entrega da obra representa cláusula padrão nos contratos da espécie, considerando que se trata de empreendimento complexo e sujeito a situações involuntárias das mais variadas, ditas de força maior, que podem levar ao atraso na entrega de unidades edilícias, descaracterizando que se trate de cláusula abusiva. Diante da entrega do bem antes mesmo do prazo previsto, bem como do cumprimento do contrato pelas partes, inexistem motivos para a resolução contratual. (Apelação Cível Nº 70057769473, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 29/01/2014)
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA Incorporação imobiliária Atraso na entrega da obra incontroverso Cláusula de tolerância de 180 dias não é abusiva, sendo válida, portanto Responsabilidade de a ré responsabilizar os autores em decorrência do atraso tem início após o decurso daquele prazo previsto no contrato até a entrega das chaves A ré não demonstrou que os autores teriam concorrido de alguma forma para retardar ainda mais a efetiva ocupação do imóvel Por ausência de recurso dos autores a reparação de danos materiais restringe-se aos danos emergentes relativos aos aluguéis dispendidos no período Dano moral não configurado - Inadimplemento de contrato é fato corriqueiro, constituindo mero aborrecimento Ação de reparação de danos procedente em parte Sucumbência recíproca Recurso provido em parte. (TJ-SP - APL: 80430320128260002 SP 0008043-03.2012.8.26.0002, Relator: Paulo Eduardo Razuk, Data de Julgamento: 06/11/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2012)
CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. PERMITIDA DILAÇÃO PREVISTA NO CONTRATO. ILEGALIDADE NO ATRASO SUPERIOR À TOLERÂNCIA CONTRATUAL. LUCROS CESSANTES DEVIDOS. JUROS E MULTA. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA QUE PREVÊ AS PENALIDADES. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. 1. A DILAÇÃO DO PRAZO PARA A ENTREGA NÃO SE MOSTRA ABUSIVA; TRATA-SE DE CLÁUSULA CONTRATUAL RECORRENTE NESTA ESPÉCIE DE CONTRATO, COMPARECENDO RAZOÁVEL O PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 (CENTO E OITENTA DIAS), ATÉ PORQUE A CONSTRUÇÃO DE UM EDIFÍCIO NÃO ESTÁ LIVRE DE VICISSITUDES, ACASOS OU CONTINGÊNCIAS, NÃO HAVENDO, AINDA, DESVANTAGEM EXAGERADA PARA O CONSUMIDOR. 1.1 PRECEDENTES DA CASA "(...). 2) NÃO AFIGURA-SE ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ADMITE TOLERÂNCIA AUTOMÁTICA DE PRORROGAÇÃO DE 180 DIAS ÚTEIS PARA A ENTREGA DE IMÓVEL, INDEPENDENTEMENTE DO MOTIVO, VISTO QUE UMA OBRA DE ENGENHARIA CIVIL ESTÁ SUJEITA A VÁRIOS IMPREVISTOS QUE ACABAM POR ATRASÁ-LA. LOGO, A PREVISÃO CONTRATUAL DE DILAÇÃO DO PRAZO DEMONSTRA-SE VÁLIDA, ATÉ PARA DEFENDER O CONSUMIDOR DE ATRASOS EXCESSIVOS, SEM MOTIVO JUSTIFICADO PELA CONSTRUTORA. (...).(TJ-DF - APC: 20120110069624 DF 0002049-25.2012.8.07.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 10/07/2013, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 18/07/2013 . Pág.: 108)

2. DA RESCISÃO CONTRATUAL

Ultrapassado os 180 dias da cláusula de tolerância que dispõe sobre o prazo de tolerância, o imóvel não tem previsão física de entrega, conforme as fotos recentes no terreno da construção.

O Código Civil (art. 481) dispõe que o contrato de compra e venda pressupõe a presença de três elementos constitutivos essenciais para a sua existência, a coisa, o preço e o consentimento:

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Como dispõe o CPC (art. 475) é possível obter o reconhecimento judicial da rescisão do contrato inadimplido:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Assim, realizado o contrato de compra e venda e ocorrendo o inadimplemento de qualquer das partes, é lícito à adimplente buscar a rescisão do contrato com a restituição do status quo ante e mais indenização por perdas e danos.

A propósito, oportuna a definição apresentada pelos autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em sua obra Novo Curso de Direito Civil, Tomo 1, Volume IV, 2008:
“Embora a legislação codificada, por vez, utilize a expressão em outros sentidos, o fato é que a teoria geral dos contratos reserva para o vocábulo “resolução” o significado de extinção contratual fundamentada no descumprimento do pactuado.
Sob a expressão “descumprimento”, compreende-se o inadimplemento tanto culposo quanto involuntário e, bem assim, a inexecução absoluta e relativa.
Se o contrato é feito para ser cumprido, a não-realização da prestação como pactuada pode ensejar, sim, a priori, a critério da parte lesada, por sua provocação, o desfazimento da relação obrigacional.”

A propósito, colaciono os seguintes julgados:

COMPRA E VENDA. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DA RÉ, QUE NÃO CONCLUIU A OBRA CONFORME PROMETIDO AO PROMITENTE COMPRADOR. O inadimplemento da obrigação por parte da promitente vendedora autoriza a rescisão do contrato. Prova dos autos demonstrando sua responsabilidade pelo atraso na entrega da obra. Hipótese em que a restituição das parcelas recebidas deve se dar nos termos da sentença. Danos morais inexistentes em razão do risco do negócio. O descumprimento de cláusula contratual não enseja indenização por danos morais. Ausente prova do constrangimento a autorizar a indenização requerida. Mantida a sentença. Apelos desprovidos. Unânime. (Apelação Cível Nº 70046939617, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 04/04/2012)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. BEM IMÓVEL. VIVENDA ECOVILLE. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DESCUMPRIMENTO IMPUTÁVEL À PROMITENTE VENDEDORA. RETORNO AO ESTADO ANTERIOR. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. RETENÇÃO REJEITADA. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70047152483, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 29/03/2012)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DO AUTOR NÃO CONFIGURADA. ATRASO NA ENTREGA DOS IMÓVEIS CONFIRMADA. RESCISÃO AMPARADA NA CULPA DO PROMITENTE-VENDEDOR. MULTA INDENIZATÓRIA AFASTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM PERCENTUAL. Afastada a tese acerca da inadimplência do promitente-comprador, pois só não providenciou o financiamento imobiliário referente à segunda parte do preço diante do atraso nas obras dos imóveis por ele adquiridos, e caracterizado o descumprimento contratual por parte do promitente-vendedor, justamente quanto à extrapolação do prazo fatal previsto para o término das unidades prometidas à venda, não há como fazer incidir as cláusulas contratuais atinentes à culpa do promitente-comprador, mas sim as referentes ao promitente-vendedor. Repelidos, portanto, os pedidos de desconto, sobre os valores a serem devolvidos ao comprador, da cláusula penal e retenção de comissão de corretagem. Afastada da sentença a multa indenizatória de 10%, em favor do comprador, por atraso nas obras além da prorrogação já prevista, porque a incidência daquela pena dependia de notificação extrajudicial do promitente-comprador, e tal não foi comprovada nos autos. Arbitramento dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, por incidência do §3º do artigo 20 do Código de Processo Civil. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70041985185, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 10/11/2011)
Assim nada mais resta, senão a rescisão do contrato firmado entre as partes, bem como a devolução dos valores adimplidos pela Autora.

3. DA DEVOLUÇÃO INTEGRAL E IMEDIATA DOS VALORES PAGOS PARA A AQUISIÇÃO DOS IMÓVEIS POR INADIMPLEMENTO DA CONSTRUTORA

Do conjunto probatório e do atraso injustificado passado o prazo de tolerância, ficou assentado que o requerido deu azo à rescisão do contrato. Desta forma, tem o demandante direito à restituição da integralidade das parcelas já adimplidas, bem como ao recebimento da multa contratual pelo atraso na conclusão da obra

A propósito, segue o voto proferido pelo Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, quando do julgamento do REsp n. 132.903⁄SP, litteris:
"A restituição das partes à situação anterior é uma conseqüência da resolução do contrato, pois a extinção da avença implica a necessidade de recomposição, tanto quanto possível, da situação assim como ela era antes". (4ª Turma, unânime, DJU de 19.12.1997)
O STJ já sedimentou entendimento na hipótese de o construtor⁄vendedor der causa à resolução do contrato, por óbvio a restituição das parcelas pagas deve ocorrer em sua integralidade, nos termos da torrencial jurisprudência da Egrégia Corte: AgRg nos EAg 616048⁄RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24⁄05⁄2006; REsp 644.984⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄08⁄2005, DJ 05⁄09⁄2005; EDcl no REsp 620.257⁄RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18⁄09⁄2008; AgRg no Ag 830546⁄RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14⁄08⁄2007.

Inclusive materializou o entendimento no Recurso Repetitivo 1300418/SC:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC.
DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO.
DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
2. Recurso especial não provido.
(REsp 1300418/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 10/12/2013)

Revela-se ainda abusiva, por ofensa ao artigo 51, incisos II e IV, do CDC, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 997.956.
Segundo Salomão, relator do recurso especial, o STJ já tem jurisprudência pacífica sobre o assunto, que é contrária à pretensão da construtora. No julgamento do REsp 877.980, a Quarta Turma entendeu que a aplicação da cláusula configura enriquecimento ilícito por parte da incorporadora, visto que ela tem a possibilidade de revender o imóvel a terceiros e, ao mesmo tempo, obter vantagem com os valores retidos. 
4. DESPESAS DE CORRETAGEM E ALUGUEIS

Como já dito o Código Civil dispõe acerca da resolução ou execução de contrato em face do seu inadimplemento:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Diante do inadimplemento contratual resta evidente que ao prejudicado cabe pleitear o seu cumprimento ou a sua rescisão sem que isto lhe subtraia o direito de indenização por perdas e danos.

Por outro lado, o mesmo Código ao dispor sobre atos ilícitos, responsabilidade civil e dever de indenizar, prevê, entre outros dispositivos:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.


O dano é a diminuição ou subtração de um bem jurídico e o patrimonial é o suscetível de avaliação pecuniária, ou seja, incidindo sobre interesses de natureza material ou econômica.

A transação de compra e venda de imóvel pode ser intermediada por corretor cuja remuneração pode ser prestada por qualquer dos contratantes. E no caso de rescisão do contrato por inadimplemento de uma das partes cabe à outra, se pagou a corretagem, obter reparação do seu gasto. Indicam precedentes jurisprudenciais:

APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO ADESIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
(...)
3. Condenação das demandadas à devolução dos valores pagos pelos promitentes compradores pela aquisição do imóvel, voltando as partes ao status quo, inclusive quanto a restituição dos valores cobrados por terceiro a título de comissão de corretagem.
(...)
RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70053662920, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 06/06/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AFASTADA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. FIRMADO TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO COM MINISTÉRIO PÚBLICO, O QUAL PERMITIU AOS CONSUMIDORES DISTRATAR A COMPRA DO IMÓVEL. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO POR CULPA EXCLUSIVA DA PARTE VENDEDORA. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS PELA PARTE COMPRADORA, INCLUSIVE A TÍTULO DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053263562, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Julgado em 03/10/2013)

Finalmente, no contrato de promessa ou de compra e venda de imóvel, ainda que em construção, o descumprimento de prazo para entrega do bem subtrai do adquirente o exercício da posse, uso e administração que se reflete em valor econômico, seja por impedir a percepção de renda ou por motivar gastos que o adquirente não teria se o bem lhe fosse entregue. Orienta o precedente do e. STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO DO CONTRATO. CULPA DA INCORPORADA. PERDAS E DANOS.
1. Cabe a indenização "pelo descumprimento do prazo acertado para a entrega de imóvel, objeto de compromisso de compra e venda" (REsp nº 320.417/RJ, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 20/5/02). No caso presente, caracterizado o descumprimento do contrato por parte do incorporador, devida a indenização.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 523.139/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 02/08/2004, p. 373)


A indenização adequada pode corresponder à renda que não foi auferida ou gasto a que o lesado restou forçado com aluguel do prédio que ocupava anteriormente de favor. Na hipótese de indenização por aluguéis despendidos. Indicam precedentes dos Tribunais Pátrios:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
(...)
ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. RESSARCIMENTO DO VALOR PAGO A TÍTULO DE ALUGUERES. Comprovado nos autos que, devido ao atraso, o autor vem arcando com o aluguel de outro imóvel. Correta a condenação das demandadas ao ressarcimento do montante despendido pelo requerente, até a efetiva entrega das chaves do imóvel adquirido pelo demandante.
(...)
DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DAS RÉS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056088487, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 26/09/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. INSURGÊNCIA CONTRA A FIXAÇÃO DE DANOS MORAIS
(...)
ALUGUEIS. GASTOS A ESTE TÍTULO DEMONSTRADOS. RESSARCIMENTO DEFERIDO. Demonstrados gastos a título de alugueis, em momento posterior ao prazo de entrega da unidade habitacional, possível o seu ressarcimento pela construtora.
(...)
CONHECERAM DE PARTE DO RECURSO E LHE NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056652498, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 24/10/2013)

Com efeito, a rescisão de contrato de promessa de compra e venda por demora injustificada na entrega de imóvel em construção induz reparação do dano material ocasionado ao comprador. - Provado o dispêndio de valores com comissão de corretagem impõe-se a condenação da construtora a indenizá-lo, assim como os aluguéis desembolsados.

Algumas promessas de compra e venda já vem com a comissão de corretagem disposta no instrumento, conforme exemplo abaixo:



Por outro lado, incontroverso o descumprimento do prazo de entrega do imóvel e provado o desembolso de aluguéis, impõe-se, também, a condenação com caráter indenizatório. No entanto, restou provado que a data final para entrega do imóvel, incluindo o prazo de tolerância de 180 dias expirou em setembro de 2013. Assim, deve ser condenada a empresa no pagamento da locação do consumidor até o final do processo e a devolução integral do valor pago.

5.    5. DOS DANOS MORAIS. ATRASO INJUSTIFICADO DA OBRA. INADIMPLEMENTO DO PROMITENTE VENDEDOR. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESESTIMULO (PUNITIVE DAMAGES). angústia, ansiedade e transtornos experimentados DURANTE O ATRASO DA OBRA.

A Constituição Federal, no inciso X do artigo 5º, determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”

Nesse viés, dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Em outras palavras, o dano moral atinge violações a direitos não patrimoniais, a exemplo da privacidade, da auto-estima, honra, imagem, integridade psíquica etc.

                     Agrava-se ao evento experimentado, a conduta desrespeitosa da ré, que trata o caso com descaso, não prestando a devida informação ao consumidor ou respondendo a notificação que lhe foi enviada. Claro caso de descaso com o consumidor.

Deste modo, o atraso na conclusão e entrega da obra, por tempo superior ao razoável, frustrou as expectativas do Autor, que adquiriu o imóvel possuindo “o sonho da casa própria”, nele depositando todas as suas economias.

Presente o nexo causal entre o atraso na obra e a angústia, ansiedade e transtornos experimentados pela compradora, inequívoca a existência de dano extrapatrimonial, conforme precedentes:

DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. DANOS MORAIS. SÚMULA 7.
1. Incidem as Súmulas 282 e 356 do STF se as teses discutidas no recurso especial não foram apreciadas na origem, mormente se não foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão.
2. O acórdão recorrido chegou à conclusão de que a ocorrência de dano moral, no caso, decorreu do não-cumprimento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, cujo atraso já conta com mais de 10 (dez) anos, circunstância que extrapola o mero aborrecimento.
3. Por outro lado, a valoração pretendida pelo recorrente, em relação ao dano moral, é vedada pela Súmula 7.
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 617077/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 29/04/2011)

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL. ATRASO NA OBRA. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM FIXADO MANTIDO. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. I. Presente o nexo causal entre a omissão da vendedora e a angústia, ansiedade e transtornos experimentados pelos compradores, decorrentes do atraso injustificado da obra, inequívoca a existência de dano extrapatrimonial. II. O quantum indenizatório deve ter o condão de prevenir, de modo que o ato lesivo não seja praticado novamente, bem como deve possuir um caráter pedagógico. Deve-se atentar, ainda, em juízo de razoabilidade, para a condição social da vítima e do causador do dano, da gravidade, natureza e repercussão da ofensa, assim como um exame do grau de reprovabilidade da conduta do ofensor, e de eventual contribuição da vítima ao evento danoso. Majoração do valor fixado a título de danos morais. III. Os danos materiais, decorrentes da conduta ilícita do devedor causador do dano, devem ser devidamente comprovados na ação de pretensão indenizatória. No caso, inexistem nos autos qualquer comprovante ou recibo de pagamento de aluguel quanto ao período de atraso na entrega do bem, razão pela qual não merece prosperar a pretensão no ponto. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DOS AUTORES. (Apelação Cível Nº 70057196644, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 19/12/2013)

enta: AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. DANOS MORAIS. 1. A prova dos autos revelou que a construtora atrasou a entrega da obra por mais de 02 anos, portanto, inadimpliu o disposto no item "e" da promessa de compra e venda, que previa a entrega para agosto de 2010, bem como o prazo de tolerância de 180 dias, previsto na cláusula 5.1.1 do referido contrato. 2. Descabe, outrossim, justificar o atraso em razão da escassez de mão-de-obra, o que não caracteriza caso fortuito ou força maior. Trata-se dos riscos inerentes ao setor da economia da construção civil, e, portanto, hipótese de responsabilidade objetiva da ré. 3. Viável, na hipótese, a rescisão contratual em face da inadimplência da parte demandada, com a devolução dos valores pagos pelo autor, inclusive de comissão de corretagem, que no caso se trata de dano material. 4. Cabível reconhecer a existência de danos morais, pois a parte autora se deparou com diversos problemas que superaram a noção do mero aborrecimento do dia-a-dia, ou do mero descumprimento contratual. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70055867501, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 12/09/2013)

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. DANO MORAL. ATRASO NA ENTREGA DAOBRA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA. O Termo de compromisso firmado pela construtora com o Ministério Público não retira o direito da parte autora de discutir o atraso na conclusão da obra, pois o compromisso assumido perante o Ministério Público não altera o contrato e representa apenas o reconhecimento do atraso e uma forma de tentar minorar os prejuízos dos consumidores, de um modo ou outro prejudicados pelo atraso verificado. A previsão contratual da tolerância de 180 dias na entrega da obra não se afigura abusiva. Na verdade é uma cláusula padrão nos contratos como o da espécie, em que se trata de empreendimento complexo e sujeito a situações involuntárias das mais variadas, ditas de força maior, que podem levar ao atraso na entrega de unidades edilícias. O atraso na entrega de obra do empreendimento gera dano moral passível de indenização, uma vez que a expectativa dos adquirentes foi frustrada. Da mesma maneira, o não cumprimento do prazo de conclusão autoriza o ressarcimento de valores despendidos com aluguel. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70053480794, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 10/07/2013)

Acerca do tema do “quantum” indenizatório, tem prevalecido a teoria da natureza satisfatório-pedagógica da indenização. Neste caso a conduta de inércia, falta de informação e descaso com o consumidor agravam e impõe a necessidade de uma condenação  

A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil[1].

No mesmo sentido, já o disse o eminente Mário Moacyr Porto:

(...) a indenização, no caso de danos extrapatrimoniais, é uma reparação satisfatória, ‘doublé’ de pena privada, que atenua as conseqüências do sofrimento injusto e castiga o responsável pelo injusto sofrimento de infligiu. (Temas de Responsabilidade Civil, São Paulo, RT, 1989, p. 32).

Diverso não é o entendimento do Colendo STJ, consoante se verifica do seguinte precedente[2].

A sanção deve buscar a sua dupla finalidade: a retributiva e a preventiva.   Justamente por isso, a quantificação deve ser fundada, principalmente, na capacidade econômica do ofensor, de molde a efetivamente castigá-lo pelo ilícito praticado e inibi-lo de repetir o comportamento anti-social, bem como de prevenir a prática da conduta lesiva por parte de qualquer membro da coletividade.
Logo, é certa a ocorrência de danos morais ao consumidor, devendo-se o quantum indenizatório ser justo, prudente e correto, coadunando-se com a aplicação da Teoria do Desestímulo ou The Punitive Damage, observando critérios de proporcionalidade e razoabilidade.

O corolário dessa teoria é que o valor a indenizar deve exprimir caráter repressivo e pedagógico. Isto é, para que se compense efetivamente a vítima e, ao mesmo tempo, se tenha exemplarmente punido o injusto do ofensor, é necessário que a indenização por dano moral venha a pesar no seu bolso, servindo a ele e à sociedade, como um poderoso fator de desestímulo a novas práticas ilícitas.

Sobre o tema, ensina-nos JORGE PINHEIRO CASTELO:
O art. 944 fixa que a indenização se mede pela extensão do dano. Convém, desde logo, chamar atenção que a extensão do dano muitas vezes não envolve apenas o dano patrimonial ou moral da própria vítima. Isto ocorre, por exemplo, com o dano moral. A extensão do dano moral tem que considerar não apenas a vítima é agredida quando ocorre uma violação/agressão a direito da personalidade, mas toda a sociedade e o próprio Estado Democrático de Direito. Realmente a sociedade está reunida em função e o Estado Democrático de Direito está fundado no respeito à dignidade da pessoa humana (inc. III do art.  da CF). Por isso consagra-se o princípio do punitive damage, ou seja, que, além do valor fixado pelo dano sofrido pela vítima, há o necessário acréscimo na fixação da extensão e valor do dano cujo objetivo e interesse da sociedade é no sentido de que o agressor não volte a repetir o ato contra qualquer pessoa e não apenas contra a vítima. Essa é a real extensão do dano. Entendimento contrário, afora contrariar a teleologia e a axiologia que envolve a finalidade da norma, propiciaria um inconstitucional retrocesso social, posto que estimularia a violação dos direitos humanos que fundamenta a própria convivência em sociedade. (PINHEIRO CASTELO, Jorge. Teoria Geral da Responsabilidade Civil e Obrigações Contratuais do Empregador Perante o Novo Código Civil. LTr Editora. São Paulo: 2003)

O Egrégio Tribunal do Estado do Pará já aplicou a teoria do desestimulo em seus julgados, vejamos:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABORDAGEM INDEVIDA DE CLIENTE SOB SUSPEITA DE SUPOSTA PRÁTICA DE ILÍCITO PENAL. DANO MORAL. FATO INCONTROVERSO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESESTÍMULO OU PUNITIVE DAMAGE. CARÁTER PEDAGÓGICO E REPRESSIVO. PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA DEVIDOS DESDE O EVENTO DANOSO. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA DESDE O ARBITRAMENTO NA SENTENÇA. MATÉRIA SUMULADA PELO C. STJ. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO À UANIMIDADE. (201230155645, 119401, Rel. CLAUDIO AUGUSTO MONTALVAO DAS NEVES, Órgão  Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 13/05/2013, Publicado em 14/05/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃO DE CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL IN RE IPSA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESESTÍMULO OU PUNITIVE DAMAGE. CARÁTER PEDAGÓGICO E REPRESSIVO. PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO À UNANIMIDADE.(201230159944, 116018, Rel. CLAUDIO AUGUSTO MONTALVAO DAS NEVES, Órgão  Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 28/01/2013, Publicado em 31/01/2013)

Ao concreto, demonstrada a abusividade do ato praticado e levando em conta os vetores examinados alhures, bem assim o caráter pedagógico da indenização, e, ainda, o axioma jurídico de que a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado, entende-se, que deve ser condenado a ré em danos extrapatrimoniais condizentes com as peculiaridades do caso concreto e com a teoria do desestimulo ou “punitive damages”.

6.DA MULTA POR EQUILIBRIO CONTRATUAL. CLÁUSULA PENAL DEVIDA AO CONSUMIDOR POR INADIMPLEMENTO DA OBRA.

Quanto ao percentual da multa a ser aplicado, não havendo cláusula expressa acerca do percentual aplicado em caso de mora por parte da promitente-vendedora deve-se, por analogia, aplicar-se o percentual disposto no contrato para rescisão contratual, que algumas vezes é denominada como retenção ou dedução.

A supracitada cláusula é claramente multa resolutiva que só se aplica no caso de rescisão por parte do autor, o que afasta o equilíbrio-contratual devido, pois só gera ônus ao consumidor, sendo assim abusiva a dita cláusula.

Logo, no respectivo contrato firmado, há apenas a estipulação de incidência de multa devida à promitente comprador em caso de inadimplemento dos compradores, não havendo qualquer estipulação em caso de descumprimento por parte da construtora/demandada

Todavia, ainda que o contrato não traga qualquer penalidade a ser atribuída ao promitente vendedor em caso de descumprimento contratual, deve-se fixar a multa rescisória no percentual de 10% a 20% sobre os valores pagos, já que compreende o patamar adotado na pelas próprias construtoras:
 
"RESCISÃO CONTRATUAL - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PRAZO DE ENTREGA NÃO CUMPRIDO - MOTIVO DE FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADO - CULPA DO PROMITENTE VENDEDOR - RESTITUIÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS PENA CONVENCIONAL E MULTA PELO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO DEVIDAS - RETENÇÃO DE PERCENTUAL DO VALOR PAGO PELA CONSTRUTORA - IMPOSSIBILIDADE - (...)" 
- A ausência de prova do alegado, motivo de força maior na entrega do imóvel na data avençada, impõe ao vendedor restituir integralmente as parcelas do preço pagas pelo comprador, com os respectivos juros e correção monetária, além da pena convencional prevista em razão do atraso da obra e da multa devida pela rescisão contratual. 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO DE CONTRATO. RESPONSABILIDADE DO PROMITENTE VENDEDOR. MULTA DEVIDA. SENTENÇA REFORMADA. PREQUESTIONAMENTO. RESCISÃO CONTRATUAL: Comprovado nos autos o descumprimento contratual por culpa exclusiva da empresa demandada, que atrasou a entrega das obras, cabível o retorno das partes ao status quo ante, com a devolução dos valores pagos pela parte autora. CLÁUSULA PENAL: Ocorrendo a rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel a prestação, por culpa do promitente vendedor, tem o promissário-comprador direito à restituição das prestações pagas na sua integralidade e ao recebimento da multa contratual pelo atraso na conclusão da obra, nos termos em que fixado no contrato. DA FIXAÇÃO DE MULTA: Descabido o pedido dos apelantes, de imposição de multa à requerida em 20%, diante de cláusula contratual que prevê a incidência de penalidade em caso de rescisão em 10%, como antes referido. COMISSÃO DE CORRETAGEM: Incabível a restituição de valor correspondente à comissão de corretagem, ainda que o ajuste venha a ser desfeito por arrependimento posterior de uma das partes, consoante preceitua o art. 725, do NCCB. Ausente qualquer prova no sentido que a empresa de corretagem integre a construtora ou tenha liame comercial que faz desaparecer a autonomia entre ambas, cuja presença disto faria o dever da Incorporadora devolver a comissão de corretagem. PERDAS E DANOS: O valor a ser recebido pela parte autora a título de cláusula penal mostra-se suficiente para cobrir as eventuais perdas e danos. HONORÁRIOS: Mantidos. PREQUESTIONAMENTO: Não se negou vigência a qualquer dispositivo constitucional ou infraconstitucional. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70054651393, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 04/06/2013)

7.ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RESCISÂO, DEVOLUÇÃO INTEGRAL E SERASA.

Cumpre analisar o que diz o art. 273 do CPC:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Em outras palavras, o juiz, para antecipar a tutela pretendida, deve analisar se há prova inequívoca que alicerce seu convencimento sobre a verossimilhança da alegação do autor, somando-se a isso uma das seguintes situações: (a) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; (b) fique caracterizado o abuso de direito de defesa; ou (c) o manifesto propósito protelatório do réu.

No caso concreto, em análise sumária, verifica-se que a obra está há mais de 180 dias atrasada.

Pugna o autor pela resolução contratual em face do seu desinteresse na manutenção do pacto, o qual foi motivado pelo suposto inadimplemento da requerida em cumprir a sua contraprestação com a entrega do bem imóvel transacionado no prazo estabelecido.

A análise dos fatos que justificariam a resolução contratual por inadimplemento independem de necessária instrução cognitiva exauriente, que permite a possibilidade precípua do juízo de cognição sumária inerente às tutelas de urgência

Ora, constituiria uma verdadeira contradição impor ao autor, que busca a resolução contratual com base no inadimplemento do réu, o ônus de aguardar todo tempo necessário a instrução processual, essencial ao provimento judicial definitivo, quando, administrativamente e sem necessidade de demonstrar qualquer culpa, poderia o mesmo ser imediatamente ressarcido de parte do valor adimplido, caso pugna-se pela resilição.

Desta feita, sem se adentrar na análise dos fatos que justificariam a resolução do contrato entabulado, a qual se prestariam a fixar com exatidão os alcances das sanções contratualmente estabelecidas, percebe-se que o pleito de extinção imediata do vínculo contratual é completamente plausível, devendo, entretanto o ressarcimento imediato pleiteada obedecer às regras estabelecidas para o caso de resilição do pacto, posto que apenas ao final da instrução se poderá delinear todas as sanções e condenações a serem impostas.

Assim, vislumbra-se presente o requisito verossimilhança nas alegações autorais despendidas à exordial, posto que há nos autos elementos suficientes a justificar a imediata extinção do vínculo contratual. Outrossim, o periculum in mora ressoa evidente, posto que a parte autora restaria privada indevidamente dos valores pagos, durante todo o prazo da instrução processual, sem poder procurar outro empreendimento para obter a tão planejada casa própria, bem como seria obrigada a adimplir as prestações de um contrato, quando demonstra, desde já, seu total desinteresse na manutenção contratual fato que, por si só, justificaria a devolução integral dos valores pagos.

Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, requer antecipação dos efeitos da tutela pretendida, para: a) declaração a extinção do vínculo contratual pela resilição unilateral; b) determinar a parte ré que providencie a devolução da quantia R$ 71.963,52 (setenta e um mil e novecentos e sessenta e três reais e cinquenta e dois centavos) referentes a integralidade das parcelas pagas no prazo de 15  (quinze) dias, sob pena de se efetuar constrição judicial do valor; c) determinar ainda a ré que se abstenha de realizar qualquer ato de cobrança das parcelas, vencidas ou vincendas, do contrato sub judice, bem como de realizar a inserção do nome do autor nos órgãos restritivos de crédito em razão do contrato objeto da lide.


O Procon de São Paulo divulgou um manual de procedimentos e cautelar que o promitente comprador deve ter ao escolher o empreendimento que irá cuidado do sonho da sua casa própria.



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[1] Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança” (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).
[2] “ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente  provido”. (RESP 604801/RS, Rel. Ministra  Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214).