Patrick Mattos

Patrick Mattos

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

DA RESPONSABILIDADE DO CREDOR NA AÇÂO DE EXECUÇÃO DE DIVIDA INEXISTENTE. DA DEVIDA INDENIZAÇÃO MORAL E MATERIAL AO EMBARGANTE. ART. 574 DO CPC



O art. 574, do Código de Processo Civil, prevê expressamente que o credor deverá indenizar o devedor pelos prejuízos suportados toda a vez que decisão judicial declarar, no todo ou em parte, inexistente a dívida que fundou a execução.:
Art. 574 - O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.

Tal responsabilidade pode ser entendida como ampliação de caso especifico da responsabilidade do art. 16 do CPC:
Art. 16 - Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.


Note-se que o ressarcimento previsto no aludido dispositivo legal é de natureza objetiva, prescindindo, portanto, da existência de dolo ou culpa.



A esse respeito, precisos os escólios do atual ministro do STF TEORI ALBINO ZAVASCKI:


"Segundo opinião generalizada da doutrina, é de natureza objetiva a responsabilidade prevista no art. 574. 'O fundamento do ressarcimento ao executado dos danos que sofreu pela execução infundada é o mesmo da condenação em custas. É o fato objetivo da derrota, ou do sucumbimento', escreveu Amílcar de Castro. Trata-se de responsabilidade objetiva que decorre do risco ligado ao ônus processual', observou Mario Aguiar Moura. Sua natureza é idêntica à da prevista para o ressarcimento dos danos em caso de execução provisória (art. 588, I), também objetiva, segundo doutrina clássica. Dispensa-se, conseqüentemente, investigação sobre dolo ou culpa. Basta, para obter ressarcimento, a prova da existência do dano - patrimonial ou moral - e da sua relação de causa e efeito com o processo de execução" ("Comentários ao código de processo civil". 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 116).


Ao mesmo resultado levam as ponderações de ARAKEN:


"O elemento subjetivo (culpa 'lato sensu') é irrelevante nacaracterização de semelhante responsabilidade do credor. Os arts. 574 e 588, I, que tratam do assunto, consagram hipóteses de responsabilidade objetiva. À incidência dessas regras basta a configuração de requisito único: a emanação de provimento jurisdicional, designado de sentença, mas que abranqe qualquer ato decisório provido deste efeito, que, após a abertura do procedimento 'in executivis', desfaça o crédito excutido no todo ou em parte. É bem de ver que o processo executivo, do ângulo das regras processuais, se desenvolveu válida e legitimamente, mas produziu, fora do processo, dano injusto, porque inexistente a obrigação. Conforme acentua Chiovenda, é justo que suporte o dano o credor que provocou, em proveito próprio, a execução injusta, na medida em que o devedor não fez para provocar tal dano e sequer se encontrava obrigado a evitá- lo" ("Comentários ao código de processo civil", 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. VI, n° 40, ps. 83-84) (grifo não original)

A invocação da responsabilidade do credor depende de manifestação expressa do devedor nos autos, sujeita à provocação do juízo, vale dizer, não é medida de ofício


De outra parte, "os danos", aos quais alude o art. 574 do CPC, devem ser entendidos em sentido amplo, abrangendo tanto o dano material como o dano moral ocasionado ao devedor pela execução infundada.



Nos dizeres de TEORI ALBINO ZAVASCKI, já citado:


"Os danos de que trata o art. 574 são os objetivamente decorrentes da existência do processo de execução. Não se limitam ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que têm disciplina própria e são devidos em qualquer execução, e não apenas na que foi frustrada pela superveniente sentença que declarou a inexistência da obrigação.
O dispositivo fala em 'danos que [o devedor] sofreu', devendo-se compreendê-los, portanto, em sentido amplo, tais como previstos no art. 402 do CC (art. 1.059 do CC/16): abrangem, além do que o executado efetivamente perdeu, também o que deixou de lucrar.
Não há porque excluir os danos morais efetivamente comprovados, notadamente em face do que dispõe o art. 5o, X, da Constituição. (...). Em suma, são todos os danos, devidamente comprovados, que tenham relação de causalidade com o processo de execução intentado para haver o cumprimento de obrigação declarada, posteriormente, inexistente" ("Comentários ao código de processo civil", 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 115) (grifo não original).

O desembargador Marcelo Cezar Muller do ínclito Tribunal do Rio Grande do Sul, em sua obra "A responsabilidade do credor segundo o artigo 574 do CPC", amplia o procedimento de responsabilidade do credor para cumprimentos de sentença, em razão de sua natureza de execução de titulo judicial, vejamos:
"A regra do art. 574, instituída pelo Código de Processo Civil de 1973 no sistema jurídico, possui caráter específico, uma vez que somente incidirá mediante a presença de todos os seus requisitos. Não se confunde com outras hipóteses de responsabilidade da parte ou mesmo do credor, as quais podem ter origem no Código de Processo ou no Código Civil. A presença de superposição de regras induz à necessidade de estabelecer critérios para a aplicação de cada uma de forma correta.

Em princípio, o dispositivo abarca qualquer espécie de execução definitiva, com origem em título judicial e extrajudicial. O cumprimento de sentença, mesmo que não gere um processo autônomo, continua sendo execução, porque visa à satisfação do crédito do vencedor da demanda. Houve a fusão em uma única relação processual das atividades cognitiva e executória, com dispensa de novo pedido de citação. O termo execução ou decisão exeqüenda continua sendo utilizada na lei, sendo exemplos o art. 475-I, caput e §§ 1º e 2º, e o art. 475-B, § 3º, do CPC.
Dessa maneira, quando se trata de processo execução ou cumprimento, a responsabilidade do credor, de maneira específica, pode ter duas origens: a) art. 574; b) art. 475-O, I (art. 588, I, antes da Lei 11.232/2005), do CPC. A primeira regra, objeto deste estudo, tem aplicação à execução definitiva, a segunda à execução provisória, e ambas fazem transparecer o princípio da responsabilidade.
No que se refere ao processo de execução regulado por lei especial, se esta não dispuser de regra própria sobre a responsabilidade do credor e, se for cabível, pode haver aplicação subsidiária do Código de Processo."


Vejamos precedente judicial sobre a responsabilidade do credor por execução de divida declarada inexistente:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. ART. 574 DO CPC. É responsabilidade do exequente ressarcir o devedor pelos danos causados em caso de ser declarada inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que deu lugar à execução. Art. 574 do CPC. A liquidação dos danos pode ser efetuada nos próprios autos da execução, não havendo necessidade de ajuizamento de ação autônoma. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70038993176, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 26/01/2011)


Em posicionamento de vanguarda, o Tribunal do Rio Grande do Sul condenou o Município em Execução Fiscal a indenizar o contribuinte executado por divida de IPTU declarada inexistente, ampliando o cabimento do art. 574 do CPC à fazenda pública:

 
Ementa:
EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. MANIFESTO DESCABIMENTO. DANOS MORAIS. ART. 574, CPC. Apresentando-se manifestamente infundada execução fiscal, de elevado valor, que cumula conduta inaceitável do Poder Público, primeiro retirando, ilegalmente, a posse dos proprietários e, depois, cobrando-lhes, injustificadamente, o tributo predial, contra o que já fora manifestado judicialmente ao ser reconhecido o apossamento administrativo, inafastável a configuração de afetação da esfera extrapatrimonial daqueles que se submeteram a tal conduta, permitindo o art. 574, CPC, o reconhecimento e condenação dos danos derivados do indevido processo executivo. PROCESSUAL CIVIL. SUCUMBÊNCIA. HIERARQUIA DAS PRETENSÕES. REDEFINIÇÃO. Considerando-se a substância das pretensões e sua hierarquia, e não apenas dado numérico, configura-se, no caso dos autos, nitidamente, a maior derrota do Município, o que leva a que se redefina a distribuição e quantitativos dos encargos sucumbenciais. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70046489993, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 25/01/2012


A liquidação dos danos, todavia, pode ser efetuada nos próprios autos da execução, não havendo necessidade de ajuizamento de ação autônoma. A respeito do tema, cito a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:
"3. Apuração dos Danos. A liquidação dos danos pode ocorrer mediante requerimento nos próprios autos da execução. Não é necessária a propositura de ação condenatória. A ilicitude da execução vai evidenciada desde logo a partir do trânsito em julgado da decisão que declara inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que deu lugar à execução. Com o trânsito em julgado há certeza a respeito do ilícito. Cumpre a partir daí apenas discutir o nexo causal e o importe do dano causado, o que pode ocorrer mediante liquidação por arbitramento (art. 475-C, CPC) ou por artigos (art. 475-E, CPC)."
 

Logo, a extinção de ação executiva fundada na inexistência da divida implica a incidência do artigo 574 do CPC, liquidando-se os prejuízos nos próprios autos em que se processou a execução.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

INTERPRETAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM CASOS CONSUMERISTAS

ESPECIAL
As ciladas do consumo na mira da Justiça
Estudos do Ministério da Fazenda apontam que, em 2020, o país será o quinto mercado consumidor do mundo. Se as previsões estiverem certas, os brasileiros vão estar dispostos a gastar mais com moradia, lazer, educação e alimentos. Os dados informam que o consumo das famílias passará de R$ 2,3 trilhões em 2010 para R$ 3,5 trilhões até o final da década, um número que chama a atenção para a necessidade do consumo consciente.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem auxiliar as pessoas a não cair nas ciladas do consumo. Com frequência, são apresentadas demandas envolvendo consumidores que não atentam para as cláusulas do contrato e vendedores que não procuram esclarecê-las. E há até a situação de pessoas que compram um produto no exterior e buscam a garantia no Brasil.

Inúmeros são os problemas de consumo que chegam ao Tribunal – como o caso dos consumidores que já não conseguem pagar as contas e acabam com o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito.

Princípio da transparência 
Uma informação clara, precisa e adequada sobre os diferentes produtos e serviços é princípio básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que, muitas vezes, não é observado. Para o STJ, a informação defeituosa aciona a responsabilidade civil, abrindo espaço para indenizações (REsp 684.712).

É dever de quem vende um produto destacar todas as condições que possam limitar o direito do consumidor. As cláusulas de um contrato devem ser escritas de forma que qualquer leigo possa compreender a mensagem, em nome da transparência.

Por esse princípio, o consumidor tem direito, por exemplo, à fatura discriminada das contas de energia elétrica ou de telefonia, independentemente do pagamento de taxas. O Ministério Público ajuizou ação contra uma empresa de telefonia alegando prestação de serviços inadequados, no tocante às informações contidas nas faturas expedidas.

O STJ reafirmou a tese de que o consumidor tem direito a informação precisa, clara e detalhada, sem a prestação de qualquer encargo (REsp 684.712). Um dever que permeia também a relação entre médico e paciente.

A Terceira Turma julgou caso em que o profissional se descuidou de informar a paciente dos riscos cirúrgicos, da técnica empregada, do formato e das dimensões das cicatrizes de uma cirurgia de mama.

Os ministros decidiram que o profissional, ciente do seu ofício, não pode se esquecer do dever de informação ao paciente, pois não é permitido criar expectativas que, de antemão, sabem ser inatingíveis (REsp 332.025).

Informação dúbia 
O entendimento do Tribunal é no sentido de que informação dúbia ou maliciosa deverá ser interpretada contra o fornecedor de serviço que a fez vincular, conforme disposição do artigo 54, parágrafo quarto, do CDC.

Em um recurso julgado, em que houve dúvida na interpretação de contrato de assistência médica sobre a cobertura de determinado procedimento de saúde, a Quarta Turma deu ganho de causa ao consumidor, que buscava fazer transplante de células (REsp 311.509).

Para o STJ, não é razoável transferir ao consumidor as consequências de um produto ou serviço defeituoso (REsp 639.811). Se o fornecedor se recusar a cumprir os termos de uma oferta publicitária, por exemplo, o consumidor, além de requerer perdas e danos, pode se valer de execução específica, pedindo o cumprimento forçado da obrigação, com as cominações devidas (REsp 363.939).

Propaganda enganosaDiversas decisões do STJ vão contra qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva. Em julgamento no qual se analisou a exploração comercial de água mineral por parte de uma empresa, a Primeira Turma se posicionou contra a atitude de encartar no rótulo do produto a expressão “diet por natureza”.

O STJ entendeu que somente produtos modificados em relação ao produto natural podem receber a qualificação diet, sejam produtos destinados a emagrecimento, sejam aqueles determinados por prescrição médica. Assim, a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser qualificada como diet, sob o risco de configurar propaganda enganosa (REsp 447.303).

Da mesma forma que uma cerveja, ainda que com teor de álcool abaixo do necessário para ser classificada como bebida alcoólica, não pode ser comercializada com a inscrição “sem álcool”, sob o risco de se estar ludibriando o consumidor (REsp 1.181.066).

Planos de saúde 
A empresa que anuncia plano de saúde com a inscrição de cobertura total no título de um contrato não pode negar ao paciente tratamento de uma patologia, se acionada, mesmo que no corpo do texto haja limitação de cobertura.

A Terceira Turma decidiu que as expressões “assistência integral” e “cobertura total” têm significado unívoco na compreensão comum, e “não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos negócios” (REsp 264.562).

Operadoras de planos de saúde têm também obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de médicos e hospitais. A Terceira Turma julgou caso de um paciente cardíaco que, ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o hospital não era mais conveniado (REsp 1.144.840).

A informação deve sempre estar à mão do consumidor.

Marcas internacionais

Diante das seduções de mercado do mundo globalizado, com propostas cada vez mais tentadoras, o STJ proferiu decisão no sentido de que empresas nacionais que divulgam marcas internacionais de renome devem responder pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam.

O consumidor, no caso, adquiriu no exterior uma filmadora que apresentou defeito. A empresa sustentava que, apesar de ser vinculada à matriz – que funcionava no Japão –, não poderia ser responsabilizada judicialmente no Brasil, pois a prestação da garantia ocorria de forma independente (REsp 63.981).

A Quarta Turma decidiu que, se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

“O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca”, afirmou o ministro Sálvio de Figueiredo na ocasião em que proferiu o voto. Ele considerou pertinente a responsabilização da empresa.

Desequilíbrios contratuais 
As disposições contratuais que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes são condenadas pelo Código do Consumidor. Segundo inúmeras decisões do STJ, se o contrato situa o consumidor em posição de inferioridade, com nítidas desvantagens em relação ao fornecedor, pode ter sua validade questionada.

O Tribunal admite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, e a sua revisão é possível em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (AgRg no REsp 849.442). Não importa, para tanto, se a mudança das circunstâncias tenha sido ou não previsível (AgRg no REsp 921.669).

Tem sido igualmente afirmado, em diversos julgamentos, que é possível ao devedor discutir as cláusulas contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido.

A ministra Nancy Andrighi, em voto-vista proferido sobre o assunto, ponderou que seria pouco razoável reconhecer determinada nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e não declará-la apenas por considerar a busca e apreensão uma ação de natureza sumária (REsp 267.758).

Consumidor inadimplente 
O consumidor deve ser previamente informado quanto ao registro de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Assim, terá a oportunidade de pagar a dívida e evitar constrangimentos futuros na hora de realizar novas compras (REsp 735.701).

Se a dívida foi regularmente paga, o credor tem a obrigação de providenciar o cancelamento da anotação do nome do devedor no banco de dados, no prazo de cinco dias (REsp 1.149.998).
O prazo de prescrição para o ajuizamento de ação de indenização por cadastro irregular é de dez anos, quando o dano decorre de relação contratual, tendo início quando o consumidor toma ciência do registro (REsp 1.276.311).

Não cabe indenização por dano moral, segundo o STJ, em caso de anotação irregular quando já existe inscrição legítima feita anteriormente (Rcl 4.310). Para o Tribunal, o ajuizamento de ação para discutir o valor do débito, por si só, não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Para isso ocorrer, é necessário que as alegações do devedor na ação sejam plausíveis e que ele deposite ou pague o montante incontroverso da dívida (REsp 856.278). 

Texto copiado do STJ 

A noticia acima refere-se aos seguintes processos: 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DO EMPATE FICTO COMO TRATAMENTO DIFERENCIADO DESTINADO AS MICROEMPRESAS (ME) E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (EPP) NAS LICITAÇÕES. LEI COMPLEMENTAR 123/2006


A lei complementar nº 123 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), de 14 de dezembro de 2006, trouxe mudanças significativas em relação à participação e tratamento de microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações públicas.

Uma das principais inovações diz respeito à regra de preferência nas hipóteses em que ocorrer empate na licitação. Entretanto não se trata de um empate ipsis litteris, mas sim de uma espécie de ficção de empate por aproximação.

É cediço que a Lei Complementar n. 123/2006 foi editada para estabelecer regras de tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, em atendimento ao disposto nos arts. 170, inciso IX, e 179 da Constituição da República de 1988, com o desígnio de fomentar seu desenvolvimento econômico. Noutro dizer, o legislador pátrio elegeu o poder de comprar do Estado como ferramenta veiculadora de políticas públicas.

Dentre as regras gizadas pelo diploma retro, o Capítulo V - Do acesso aos mercados - contempla inovações no ordenamento jurídico ao conferir determinados privilégios às ME e EPP para participar de licitações, criando condições favoráveis à obtenção de contratações administrativas, entre as quais, destaca-se em especial, as regras de preferências nos casos de empate, consoante disciplinado na Lei Complementar n. 123/2006, notadamente no seu art. 44, a saber:

"Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço."

O dispositivo sub oculo revela hipótese legal do empate "ficto" ou "presumido" ao mencionar que as propostas apresentadas pelas ME e EPP iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada (no caso de pregão 5%) serão consideradas empatadas.

Sobre a regra especial de desempate em favor das ME´s e EPP`s, mister se faz trazer a baila a doutrina do procurador federal André Luiz Santa Cruz Ramos :

“Em primeiro lugar, cumpre esclarecer o que a Lei Geral entende exatamente por empate. Ao contrário do que se pode imaginar, esse empate de que trata a lei não ocorre apenas quando a proposta de uma ME ou EPP for igual à melhor proposta oferecida por uma empresa normal, mas também quando a diferença entre elas é muito pequena. É o que diz o §1º do art. 44, segundo o qual “entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada ...
... Vê-se, pois que a Lei Geral criou o que já se está chamando de empate ficto ou ficção de empate, uma vez que configura, juridicamente, não apenas quando houver mais de uma proposta com valores indenticos, “mas também serão consideradas como empate as situações em que a diferença entre as propostas se enquadre num determinado limite porcentual”, o qual no pregão é de 5%, enquanto nas demais modalides licitatórias é de 10%.”

Cristiana Fortini explica que :

“O § 1º e o §2º do art. 44 da LC criam, ao lado do empate real, o empate ficto, se as propostas equidistarem umas das outras (tomando como referência a proposta inicialmente melhor colocada) dentro de um intervalo de 10% para as modalidades tradicionais e 5% no caso de adoção do pregão. O empate aqui mencionado é o relativo ao preço. O empate real é possível apenas nas modalidades tradicionais, porque no pregão, ainda que não se exija a renovação de lances, não se permite a repetição de proposta ofertada por terceiro.
Vale dizer, se a proposta mais bem situada for de R$ 100,00, todas as propostas, apresentadas por micro ou pequenas empresas, iguais a ela (como dito, possível apenas no caso de emprego das modalidades tradicionais) e todas as que não a ultrapassarem em mais de 10% (modalidades tradicionais) ou 5% (se for pregão) serão consideradas empatadas. Assim, estarão empatadas as propostas das micro ou pequenas empresas que não ultrapassarem R$ 110,00 (cento e dez reais) ou R$ 105,00 (cento e cinco reais), a depender da modalidade de licitação em uso.
 Ocorrendo o empate ficto conforme art. 44 da LC. 123/2006, o art. 45 da mesma lex encarrega-se de disciplinar os seguintes procedimentos: a) a ME ou EPP mais bem classificada poderá oferecer proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; b) se a ME ou EPP mais bem classificada não apresentar proposta de preço inferior, serão convocadas as remanescentes, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito; c) no caso de serem idênticos os valores das propostas originais apresentadas pelas ME e EPP, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.”

O mestre Andre Luiz Santa Cruz Ramos continua lecionando :

“Assim sendo o “empate”, e uma vez caracterizado, prevê o art. 45 da Lei Geral três soluções distintas. No inciso I, prevê a lei que “ a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado ...
... Caso a faculdade prevista no inciso I não seja exercida pela ME ou EPP respectiva, o inciso II estabelece uma outra solução, prevendo que “não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocados as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §1º e 2º  do art. 44 desta Lei Complementar na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito”. Veja-se que a lei não estabeleceu que sejam convocados todas as ME`s e EPP´s participantes do certame licitatório para que eventualmente exerçam a faculdade constante do §1º. Serão chamadas apenas as ME`s ou EPP´s que tenham oferecido proposta que se enquadre nos limites percentuais previstos no art. 44, §1º e 2º.Se não houver nenhuma outra ME ou EPP nessa situação, então serão considerada vencedora a empresa normal que se classificou em primeiro lugar ...
... Pode ser ainda que as ME´S ou EPP´s que se enquadrem na previsão normativa do inciso II, analisada acima, tenham oferecido, originalmente, propostas equivalente, hipóteses em que se aplicará a regra do inciso III: no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrarem nos intervalos estabelecidos nos §1º e §2º do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.”

Como se vê, a norma estabelece um direito de preferência às EPP e ME para em caso de empate (real ou ficto) apresentarem propostas menor do que aquela que, em condições normais, seria a vencedora da disputa.

A lei conferiu uma segunda chance a elas, sendo-lhes facultado alterar, posteriormente, a sua proposta original, de modo a que esta passe a ser inferior à proposta inicialmente classificada em primeiro lugar. Se elas assim o fizerem, serão consideradas vencedoras.

Nessa toada, o doutrinador Joel de Menezes Niebuhr ensina que :

“A rigor, reconhecendo-se o empate, na forma dos parágrafos do art. 44 da Lei Complementar 123/06, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada faz jus à oportunidade de oferecer proposta de preço inferior à proposta de preço até então considerada vencedora do certame, conforme dispõe o inc. I do art. 45 da mesma lei complementar. Enfatiza-se que não basta à microempresa ou empresa de pequeno porte igualar o menor preço até então ofertado. A microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada deve cobrir o menor preço até então ofertado, reduzi-lo. Se o fizer, prescreve o referido inc. I do art. 45 da Lei Complementar, o objeto da licitação deve ser adjudicado a ela.”

O professor José Anacleto Abduch Santos, por sua vez, ministra que :

“Como a lei não estabelece qualquer parâmetro para esta nova proposta, qualquer valor menor do que a proposta original deve ser reputado suficiente para que o desempate se efetive (proposta apenas R$ 1,00 menor do que a original, por exemplo).”

Cumpre mencionar que a Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, estendeu às cooperativas os mesmos benefícios outorgados às microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações, conforme se verifica no seu art. 34:
 
Art. 34.  Aplica-se às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta até o limite definido no inciso II do caput do art. 3o da Lei Complementar no 123, de 14 de de-zembro de 2006, nela incluídos os atos cooperados e não-cooperados, o disposto nos Capítulos V a X, na Seção IV do Capítulo XI, e no Capítulo XII da referida Lei Complementar.

As disposições contidas na Lei Complementar nº 123/06, relativas ao critério de desempate para microempresas, são auto-aplicáveis, ou seja de obrigação pela Administração Pública. Isso significa que ele deve ser reconhecido independente de requerimento da pequena empresa ou de previsão editalícia, pois se trata de uma determinação legal imperativa do art. 22, inc. XXVII da CF/88 .
O entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 702/2007-Plenário, o Ministro Benjamin Zymler sinalizou no sentido de:

“Apesar da ausência de previsão editalícia de cláusulas que concedam a estas categorias de empresas os benefícios previstos nos art. 45 e 46 da lei supradita, não há impedimentos para a aplicação dos dispositivos nela insculpidos. Tais disposições, ainda que não previstas no instrumento convocatória, devem ser seguidas, vez que previstas em lei. Cometerá ilegalidade o Sr. Pregoeiro caso, no decorrer do certame, recuse-se a aplica-las, se cabíveis.”

A jurisprudência dos Tribunais Pátrios também caminha com este entendimento a julgar MS de autoridades coatoras que descumpram o tratamento diferenciado disposto na lei geral, vejamos:

Ementa: APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. EMPATE FICTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06. CRITÉRIO DE DESEMPATE PARA MICROEMPRESAS. NORMAS AUTO-APLICÁVEIS. PREÇO PROPOSTO EM UM DOS ITENS SUPERIOR AO TETO ESTABELECIDO NO EDITAL QUE NÃO AUTORIZA DESCLASSIFICAÇÃO DO CERTAME. PROPOSTA INTEGRAL INICIALMENTE APRESENTADA PELA IMPETRANTE QUE NÃO É SUPERIOR A 10% EM RELAÇÃO À PROPOSTA MELHOR CLASSIFICADA. ILEGALIDADE DO ATO PRATICADO PELA AUTORIDADE COATORA. VERIFICAÇÃO DE RISCO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO PARA A IMPETRANTE E PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA PARA A CONCESSÃO LIMINAR DA SEGURANÇA PLEITEADA. REJEITADA A PRELIMINAR À UNANIMIDADE. APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível Nº 70039838073, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 19/01/2011) (grifos nossos)

Sendo assim, por força do disposto no art. 40 da Lei 8.666/93, é inafastável a obrigação da Administração Pública de incluir nos instrumentos convocatórios da licitação (lei interna do certame) tudo o que for necessário para dar efetividade ao tratamento diferenciado e favorecido previsto na Lei Complementar 123/2006 em favor das microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas, sob pena de invalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp123compilado.htm>. Acesso em
08/08/2012.

FORTINI, Cristiana. Micro e pequenas empresas: as regras de habilitação, empate e desempate na Lei Complementar nº 123 e no Decreto nº 6.204/07. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. jul. 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. O Estatuto da Microempresa e as licitações públicas - 2. ed. rev. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007.  São Paulo: Dialética, 2007.

MONTEIRO, Flavia Santos. A imperatividade da regra do “desempate” de propostas prevista nos artigos 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/2006. Informativo Justen, Oliveira e Talamini, Curutiba, nº 9, nov/2007, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?l=pt&informativo=9&artigo=318,acesso em 08/08/2012

NIEBUHR, Joel de Menezes. Repercussões do Estatuto da Microempresa e das Empresas de Pequeno Porte em Licitação Pública. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, n. 157, mar.2007.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. Bahia. JusPODIVM, 2009 .

SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitações e o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – Acórdão nº 702-2007 – Plenário – Benjamin Zymler

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – Acórdão nº 2505-2009 – Plenário – Augusto Nardes

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL - Apelação Cível Nº 70039838073, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 19/01/2011

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DA IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DA FAZENDA COM RPV/PRECATÓRIO QUANDO DIVERSOS OS ENTES PÚBLICOS CREDOR E DEVEDOR


Determina a Constituição Federal, com a recente redação dada pela EC nº 62/09:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
(...)
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009 - grifei).
§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

A determinação constitucional não suprime ou relativiza os requisitos do instituto, definidos no Código Civil:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

A referência genérica à Fazenda Pública apenas significa que todos os entes integrantes da administração direta e indireta podem valer-se da nova regra constitucional. Todavia, para que incida a compensação, deve o próprio executado ser também o credor do valor que pretende compensar, pois não poderia dispor de verba de que não é titular.

O dispositivo autorizador refere créditos “constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora” (grifei), indicando que deva ocorrer reciprocidade. Não permite a interpretação ampliativa.
Observando-se, ainda, que o abatimento, a título de compensação, dá-se no momento da expedição do precatório, quanto ao credor original e a Fazenda Pública devedora (§ 9º do art. 100, CF/88, com a redação da EC nº 62/09), o que mais reforça o entendimento da inviabilidade de compensação em casos como o dos autos.

É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido da impossibilidade da compensação, quer pela inexistência de lei estadual que a tanto autorize, como exigido pelo artigo 170, CTN, quer porque inviável sem que existam créditos e débitos recíprocos, o que se verifica quando envolvidas pessoas jurídicas distintas – no caso, o débito de IPVA E ICMS é do Estado, enquanto o crédito representado pelo precatório é da LOTERIA DO ESTADO DO PARÁ - LOTERPA, autarquia estadual criada pela LEI ESTADUAL nº 4603/75 e reestruturada pela LEI ESTADUAL 6570/03, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira.
No que tange à matéria em discussão, o STJ tem entendimento consolidado, conforme se constata dos julgados que ora colaciono:
AGRG NO AG 1089465/RS, REL. MINISTRA ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 02/06/2009, DJE 19/06/2009
TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIO – IPERGS X ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – INEXISTÊNCIA DE LEI AUTORIZATIVA – IMPOSSIBILIDADE
1. Esta Corte tem entendido ser incabível compensar créditos oriundos de cessão de direitos sobre precatórios judiciais emitidos em desfavor do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS com créditos tributários titularizados pelo Estado do Rio Grande do Sul. 2. Agravo regimental não provido.

Nesse sentido, inúmeros julgados pelos Tribunais Pátrios:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DA FAZENDA COM RPV/PRECATÓRIO. EC 62/09. ART. 100, § 9º DA CF. IMPOSSIBILIDADE QUANDO DIVERSOS OS ENTES PÚBLICOS CREDOR E DEVEDOR. A regra do art. 100, § 9º, da Constituição Federal, incluído pela EC nº 62/09, aplica-se apenas quando for o próprio executado o titular do crédito que pretende compensar na execução. Não incide ela na hipótese de serem os valores devidos a ente público diverso, que não integra a lide. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70041093485, Terceira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 29/03/2011)
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARGUMENTOS QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. Não tendo as razões de agravo infirmado os fundamentos decisórios merece mantida, na íntegra, a decisão agravada, sintetizada na ementa a seguir transcrita: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DE ICMS. ARTIGO 151, II, CTN. PEDIDO PRINCIPAL VISANDO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DO ESTADO COM PRECATÓRIO OBJETO DE CESSÃO DEVIDO PELO IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/09. DECRETO ESTADUAL Nº 47.063/10. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL DO CRÉDITO. NECESSIDADE DE QUE SEJA EM DINHEIRO. PRECEDENTES. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, assim como deste Tribunal, quanto à inadmissibilidade da compensação de crédito do Estado com precatório objeto de cessão devido pelo IPERGS, quer pela inexistência de lei estadual que a tanto autorize, como exige o artigo 170, CTN, quer pela ausência de créditos e débitos recíprocos. Aliás, com a vigência da EC nº 62/09, tendo o Estado do Rio Grande do Sul adotado o regime do art. 97, § 1º, I, ADCT, os precatórios somente terão poder liberatório se e quando deixar de ser procedido o respectivo depósito, a par de se definir a possibilidade de abatimento compensatório em relação à entidade devedora (art. 100, § 9º, CF/88). Quanto à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, forte no artigo 151, II, CTN, o depósito do montante integral deve ser em dinheiro, inviabilizando, pois, o deferimento da liminar pleiteada, assim como raciocínio em termos do disposto no artigo 151, IV, CTN." (Agravo Nº 70045637725, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 26/10/2011)

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DE ICMS. ARTIGO 151, II, III E V, CTN. PEDIDO PRINCIPAL VISANDO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DO ESTADO COM PRECATÓRIO OBJETO DE CESSÃO DEVIDO PELO IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/09. DECRETO ESTADUAL Nº 47.063/10. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL DO CRÉDITO. NECESSIDADE DE QUE SEJA EM DINHEIRO. PEDIDO ADMINISTRATIVO E DECISÃO DEFINITIVA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. ARTIGO 273, CAPUT, CPC. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, assim como deste Tribunal, quanto à inadmissibilidade da compensação de crédito do Estado com precatório objeto de cessão devido pelo IPERGS, quer pela inexistência de lei estadual que a tanto autorize, como exige o artigo 170, CTN, quer pela ausência de créditos e débitos recíprocos. Aliás, com a vigência da EC nº 62/09, tendo o Estado do Rio Grande do Sul adotado o regime do artigo 97, § 1º, I, ADCT, os precatórios somente terão poder liberatório se e quando deixar de ser procedido o respectivo depósito, a par de se definir a possibilidade de abatimento compensatório em relação à entidade devedora (art. 100, § 9º, CF/88). Quanto à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, forte no artigo 151, II e III, CTN, o depósito do montante integral deve ser em dinheiro e o pedido administrativo deve estar pendente de julgamento, respectivamente, contexto diante do qual resta afastada a verossimilhança das alegações, inviabilizando, pois, a concessão da tutela antecipada pleiteada, assim como raciocínio em termos do disposto no artigo 151, V, CTN. (Agravo de Instrumento Nº 70044592582, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 22/08/2011)

Portanto, não caberá a compensação requerida pela Fazenda Pública Estadual, quando inexistir créditos e débitos recíprocos pelas mesmas pessoas jurídicas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

SUMULA 479 DO STJ - DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS POR DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS.

A responsabilidade civil das instituições bancárias é tema que atravessa décadas no cenário jurídico brasileiro, tendo o STJ, tal como o STF, jurisprudência razoavelmente firme nesse aspecto.

É da década de 60, por exemplo, a Súmula n. 28⁄STF, segundo a qual: "O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista".

O mencionado verbete possuía como suporte jurídico a idéia de risco do empreendimento ou da profissão, como ficou claro no voto do relator do RE n. 3.876⁄SP, um dos precedentes que deram origem à Súmula.

Como razões de decidir, o relator, Ministro Anibal Freire, mencionou a sentença de piso nos seguintes termos:
Em caso como o dos autos, em que não há culpa do suposto emissor, nem do sacado, este deve suportar os prejuízos do pagamento do cheque falso, porque isto é um dos riscos de sua profissão, porque o pagamento é feito com seus fundos, porque o crime de falsidade foi contra ele dirigido e porque ao suposto emissor era impossível evitar que o crime produzisse seus efeitos. (RE 3876, Relator(a):  Min. ANIBAL FREIRE, Primeira Turma, julgado em 03⁄12⁄1942)

Ainda que o conteúdo da Súmula n. 28⁄STF esboce algo de responsabilidade objetiva, revelava-se nítida a atenuação da responsabilidade da instituição financeira, na medida em que havia possibilidade de afastamento desta, em caso de culpa concorrente do correntista.

Nessa esteira, foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato, no sentido de que, em relação a cheque falsificado, "em princípio, o Banco é responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade, se provar culpa grave do correntista" (RE 8740, Relator(a):  Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 18⁄11⁄1949).

Essa visão histórica apenas para assinalar a tendência sinalizada pela Corte Suprema, antes da vigência do Código Consumerista.

Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo, por apresentação de cheque falsificado, não se verifica pela mera concorrência de culpa do correntista.

É que o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, somente afasta a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço quando a culpa do consumidor ou de terceiro for exclusiva, verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[...]
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes praticadas por terceiros - hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco -, a responsabilidade do fornecedor decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao consumidor direto.
Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
Muito se tem discutido a respeito da natureza da responsabilidade civil das instituições bancárias, variando opiniões desde a responsabilidade fundada na culpa até a responsabilidade objetiva, com base no risco profissional, conforme sustentou Odilon de Andrade, filiando-se à doutrina de Vivante e Ramela ("Parecer" in RF 89⁄714). Neste ponto, entretanto, importa ressaltar que a questão deve ser examinada por seu duplo aspecto: em relação aos clientes, a responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual. (Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417)

Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação aos não correntistas.

Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para abertura de conta-corrente não há propriamente uma relação contratual estabelecida entre eles e o banco.

Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva.

Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como "fatos do serviço", verbis:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
  
É nesse sentido o magistério de Cláudia Lima Marques:
A responsabilidade das entidades bancárias, quanto aos deveres básicos contratuais de cuidado e segurança, é pacífica, em especial a segurança das retiradas, assinaturas falsificadas e segurança dos cofres. Já em caso de falha externa e total do serviço bancário, com abertura de conta fantasma com o CPF da "vítima-consumidor" e inscrição no Serasa (dano moral), usou-se a responsabilidade objetiva da relação de consumo (aqui totalmente involuntária), pois aplicável o art. 17 do CDC para transforma este terceiro em consumidor e responsabilizar o banco por todos os danos (materiais e extrapatrimoniais) por ele sofridos. Os assaltos em bancos e a descoberta das senhas em caixas eletrônicos também podem ser considerados acidentes de consumo e regulados ex vi art. 14 do CDC. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários do Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 424)
Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como, por exemplo, "culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros".

As instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, aduzem a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas são reconhecidamente sofisticadas.

Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185).

É a "causa estranha" a que faz alusão o art. 1.382 do Código Civil Francês (Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926).

É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, "aconteceu de tal modo que as suas consequências danosas não puderam ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram necessariamente. Por tal razão, excluem-se como excludentes de responsabilidade os fatos que foram iniciados ou agravados pelo agente" (Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 305).

Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo:

Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I)" ( CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p.  256-257)
_________________________

Na mesma linha vem entendendo a jurisprudência desta Corte, dando conta de que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis e,  no mais das vezes, evitáveis.

Por exemplo, em um caso envolvendo roubo de talões de cheque, a Ministra Nancy Andrighi, apoiada na doutrina do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, assim se manifestou:
Não basta, portanto, que o fato de terceiro seja inevitável para excluir a responsabilidade do fornecedor, é indispensável que seja também imprevisível. Nesse sentido, é notório o fato de que furtos e roubos de talões de cheques passaram a ser prática corriqueira nos dias atuais. Assim, a instituição financeira, ao desempenhar suas atividades, tem ciência dos riscos da guarda e do transporte dos talões de cheques de clientes, havendo previsibilidade quanto à possibilidade de ocorrência de furtos e roubos de malotes do banco; em que pese haver imprevisibilidade em relação a qual (ou quais) malote será roubado.
Aliás, o roubo de talões de cheques é, na verdade, um caso fortuito interno, que não rompe o nexo causal, ou seja, não elide o dever de indenizar, pois é um fato que se liga à organização da empresa; relaciona-se com os riscos da própria atividade desenvolvida. (cfr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade civil no Código do consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 293).Portanto, o roubo de malote contendo cheques de clientes não configura fato de terceiro, pois é um fato que, embora muitas vezes inevitável, está na linha de previsibilidade da atividade bancária, o que atrai a responsabilidade civil da instituição financeira. (REsp 685662⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2005, DJ 05⁄12⁄2005, p. 323)
_________________________

 O raciocínio tem sido o mesmo para casos em que envolvem, abertura de conta-corrente ou liberação de empréstimo mediante utilização de documentos falsos, ou, ainda, saques indevidos realizados por terceiros.

Nesse sentido o REsp 1199782 / PR resolveu o conflito de forma definitiva sobre o prisma do dispositivo processual do art. 543-C  :
 RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL.
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011)

Em casos de fraude em abertura de conta, o serviço bancário é evidentemente defeituoso, porquanto é aberta conta-corrente em nome de quem verdadeiramente não requereu o serviço (art. 39, inciso III, do CDC). Tal fato do serviço não se altera a depender da sofisticação da fraude, se utilizados documentos falsificados ou verdadeiros, uma vez que o vício e o dano se fazem presentes em qualquer hipótese.

Esse entendimento testilha com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, que possui, inclusive, precedente específico para o caso (REsp 964.055⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28⁄08⁄2007, DJ 26⁄11⁄2007, p. 213) e atualmente tem sumula editada sob o nº 479:
SÚMULA N. 479 - 27/08/2012 
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. 

Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que o abalo moral é in re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até 50 (cinquenta) salários mínimos.

Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 971.113⁄SP, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄02⁄2010; AgRg no Ag 889.010⁄SP, Rel. Ministro  SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11⁄03⁄2008.

Some-se a responsabilidade do banco também com apoio no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, segundo o qual haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". É precisamente o caso de risco da atividade econômica desenvolvida pelos bancos.

Logo a súmula 479 editada pelo STJ reconheceu a responsabilidade objetiva do banco e o dano moral in re ipsa, para condenar a instituição financeira recorrida em casos fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, como por exemplo a abertura fraudulenta de conta.


Ver o dados sobre a sumula 479:

01/08/2012
Órgão:
Superior Tribunal de Justiça
Fonte:
DJ-e 01/08/2012 - STJ

TEXTO INTEGRAL

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SEGUNDA SEÇÃO

SÚMULA N. 479


As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Referência
:

CC/2002, art. 927, parágrafo único.
CDC, arts. 14, § 3º, II, e 17.
CPC, art. 543-C.
REsp 1.197.929-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011).
REsp 1.199.782-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011).
REsp 685.662-RJ (3ª T 10/11/2005 – DJ 05/12/2005).
AgRg no Ag 1.292.131-SP (3ª T 17/06/2010 – DJe 29/06/2010).
REsp 1.045.897-DF (3ª T 24/05/2011 – DJe 01/06/2011).
AgRg no Ag 1.430.753-RS (3ª T 03/05/2012 – DJe 11/05/2012).
REsp 1.093.617-PE (4ª T 17/03/2009 – DJe 23/03/2009).
AgRg no Ag 1.235.525-SP (4ª T 07/04/2011 – DJe 18/04/2011).
AgRg no Ag 997.929-BA (4ª T 12/04/2011 – DJe 28/04/2011).
AgRg no Ag 1.357.347-DF (4ª T 03/05/2011 – DJe 09/05/2011).
AgRg no Ag 1.345.744-SP (4ª T 10/05/2011 – DJe 07/06/2011).
AgRg no AREsp 80.075-RJ (4ª T 15/05/2012 – DJe 21/05/2012).



(*) Recurso representativo da controvérsia.


Este texto não substitui o publicado no DJe - STJ de 01.08.2012.


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EXEQUENTE POR DÍVIDA JÁ PAGA, TOTAL OU PARCIALMENTE. EXEGE DO ART. 574 DO CPC. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÂO MORAL E MATERIAL AO DEVEDOR POR EXECUÇÃO TEMERÁRIA.


O art. 574, do Código de Processo Civil, prevê expressamente que o credor deverá indenizar o devedor pelos prejuízos suportados toda a vez que decisão judicial declarar, no todo ou em parte, inexistente a dívida que fundou a execução:

Art. 574 - O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução. (grifos nossos)

O supracitado artigo processual seguia o entendimento do que dispunha o revogado art. 1.531 do Código Civil de 1916: "Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar o devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação."

Alguns doutrinadores entendem que com a revogação do código civil, o referido dispositivo foi recebido pelo art. 940 CC/02 que trata da repetição de indébito, outros doutrinadores entendem que o art. 1531 foi recepcionado no novo código civil pelos art. 17 e 18 que tratam de litigância de má-fé.
Porém ao nosso entender, tratam-se de disposições diferentes, sendo o art. 574 do CPC uma reparação pecuniária equivalente aos danos sofridos pelo executado, podendo ser cumuladas com repetição de indébito e litigância de má-fé caso o magistrado decida pela suas utilizações.

Ao nosso entender, o art. 574 do CPC é uma sanção reparatória exclusiva da ação de execução, podendo ser requerido via embargos à execução, exceção de pré-executivdade e impugnação.

Há divergência na doutrina sobre qual o meio apto para o devedor obter a declaração da inexistência da obrigação e o reconhecimento do direito à indenização pelo dano sofrido. Podem, desde logo, ser mencionados: ação autônoma; embargos do devedor, impugnação a execução e ação rescisória.

A legitimidade ativa é do devedor, parte demandada na ação executiva ou no cumprimento da sentença, interpretação mais condizente com a regra em exame.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a indenização prevista no referido dispositivo legal exige que o credor tenha agido de má-fé ao demandar o devedor por dívida já paga, total ou parcialmente, sem ressalvar valores recebidos. Tal entendimento, inclusive, está contido analogicamente na Súmula 159⁄STF:"Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1531 do Código Civil."  
    
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 730.861⁄DF, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.11.2006, p. 252; REsp 730.861⁄DF, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.11.2006, p. 252; REsp 507.310⁄PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 1º.12.2003, p. 319; REsp 403.444⁄DF, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 24.3.2003, p. 228; REsp 256.304⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18.9.2000, p. 136; AgRg no REsp 130.854⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 26.6.2000, p. 140; REsp 99.683⁄MT, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 15.6.1998, p. 115.

Note-se que o ressarcimento previsto no aludido dispositivo legal é de natureza objetiva, prescindindo, portanto, da existência de dolo ou culpa.

A esse respeito, precisos os escólios do atual ministro do STF TEORI ALBINO ZAVASCKI:

"Segundo opinião generalizada da doutrina, é de natureza objetiva a responsabilidade prevista no art. 574. 'O fundamento do ressarcimento ao executado dos danos que sofreu pela execução infundada é o mesmo da condenação em custas. É o fato objetivo da derrota, ou do sucumbimento', escreveu Amílcar de Castro. Trata-se de responsabilidade objetiva que decorre do risco ligado ao ônus processual', observou Mario Aguiar Moura. Sua natureza é idêntica à da prevista para o ressarcimento dos danos em caso de execução provisória (art. 588, I), também objetiva, segundo doutrina clássica. Dispensa-se, conseqüentemente, investigação sobre dolo ou culpa. Basta, para obter ressarcimento, a prova da existência do dano - patrimonial ou moral - e da sua relação de causa e efeito com o processo de execução" ("Comentários ao código de processo civil". 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 116).

Ao mesmo resultado levam as ponderações de ARAKEN:

"O elemento subjetivo (culpa 'lato sensu') é irrelevante na caracterização de semelhante responsabilidade do credor. Os arts. 574 e 588, I, que tratam do assunto, consagram hipóteses de responsabilidade objetiva. À incidência dessas regras basta a configuração de requisito único: a emanação de provimento jurisdicional, designado de sentença, mas que abranqe qualquer ato decisório provido deste efeito, que, após a abertura do procedimento 'in executivis', desfaça o crédito excutido no todo ou em parte. É bem de ver que o processo executivo, do ângulo das regras processuais, se desenvolveu válida e legitimamente, mas produziu, fora do processo, dano injusto, porque inexistente a obrigação. Conforme acentua Chiovenda, é justo que suporte o dano o credor que provocou, em proveito próprio, a execução injusta, na medida em que o devedor não fez para provocar tal dano e sequer se encontrava obrigado a evitá- lo" ("Comentários ao código de processo civil", 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. VI, n° 40, ps. 83-84) (grifo não original)

                        De outra parte, "os danos", aos quais alude o art. 574 do CPC, devem ser entendidos em sentido amplo, abrangendo tanto o dano material como o dano moral ocasionado ao devedor pela execução infundada.

Nos dizeres de TEORI ALBINO ZAVASCKI, já citado:

"Os danos de que trata o art. 574 são os objetivamente decorrentes da existência do processo de execução. Não se limitam ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que têm disciplina própria e são devidos em qualquer execução, e não apenas na que foi frustrada pela superveniente sentença que declarou a inexistência da obrigação.
O dispositivo fala em 'danos que [o devedor] sofreu', devendo-se compreendê-los, portanto, em sentido amplo, tais como previstos no art. 402 do CC (art. 1.059 do CC/16): abrangem, além do que o executado efetivamente perdeu, também o que deixou de lucrar. Não há porque excluir os danos morais efetivamente comprovados, notadamente em face do que dispõe o art. 5o, X, da Constituição. (...). Em suma, são todos os danos, devidamente comprovados, que tenham relação de causalidade com o processo de execução intentado para haver o cumprimento de obrigação declarada, posteriormente, inexistente" ("Comentários ao código de processo civil", 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 115) (grifo não original).

Inegável, por outro lado, que a conduta do exequente em distribuir ação judicial de divida já paga total ou parcialmente, submete, injustamente, o executado a uma situação vexatória, causando-lhe aborrecimento e dissabor, além de abalo ao seu crédito.

É possível ao executado obter a declaração de inexistência da obrigação através de ação autônoma, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos do devedor, ação rescisória ou agravo de instrumento. Mesmo que o fundamento da declaração surja após o ajuizamento da execução é viável o reconhecimento da responsabilidade do credor. Apenas o ajuizamento de execução, independente de outro ato, sendo declarada inexistente toda a obrigação, pode gerar a obrigação de indenizar, caso tenha sido atingida a esfera jurídica do executado. A liquidação dos danos pode ser procedida nos mesmos autos ou em apenso, como incidente, sendo importante a observância dos princípios do processo civil e a racionalidade dos atos, o que fornecerá a melhor solução para o caso concreto.

Logo, o legislador processual não permitiu que o credor utilizasse a ação expropriatória sem qualquer sanção por irresponsabilidade, e permitiu o executado requerer reparação dos danos sofridos pela execução temerária, estando essa responsabilidade do credor exposta no art. 574 do CPC.