A responsabilidade civil das instituições bancárias é tema que atravessa
décadas no cenário jurídico brasileiro, tendo o STJ, tal como o STF,
jurisprudência razoavelmente firme nesse aspecto.
É da década de 60, por exemplo, a Súmula n. 28⁄STF, segundo a qual:
"O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso
ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do
correntista".
O mencionado verbete possuía como suporte jurídico a idéia de risco do
empreendimento ou da profissão, como ficou claro no voto do relator do RE n.
3.876⁄SP, um dos precedentes que deram origem à Súmula.
Como razões de decidir, o relator, Ministro Anibal Freire, mencionou a
sentença de piso nos seguintes termos:
Em caso como o dos autos, em que
não há culpa do suposto emissor, nem do sacado, este deve suportar os prejuízos
do pagamento do cheque falso, porque isto é um dos riscos de sua profissão,
porque o pagamento é feito com seus fundos, porque o crime de falsidade foi
contra ele dirigido e porque ao suposto emissor era impossível evitar que o
crime produzisse seus efeitos. (RE 3876, Relator(a): Min. ANIBAL FREIRE,
Primeira Turma, julgado em 03⁄12⁄1942)
Ainda que o conteúdo da Súmula n. 28⁄STF esboce algo de responsabilidade
objetiva, revelava-se nítida a atenuação da responsabilidade da instituição
financeira, na medida em que havia possibilidade de afastamento desta, em caso
de culpa concorrente do correntista.
Nessa esteira, foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato, no
sentido de que, em relação a cheque falsificado, "em princípio, o Banco é
responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade,
se provar culpa grave do correntista" (RE 8740, Relator(a): Min.
OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 18⁄11⁄1949).
Essa visão histórica apenas para assinalar a tendência sinalizada pela
Corte Suprema, antes da vigência do Código Consumerista.
Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo,
por apresentação de cheque falsificado, não se verifica pela mera concorrência
de culpa do correntista.
É que o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, somente afasta
a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço quando a culpa do
consumidor ou de terceiro for exclusiva, verbis:
Art. 14. O
fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 3° O
fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[...]
II - a culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro.
No caso de correntista de
instituição bancária que é lesado por fraudes praticadas por terceiros -
hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado,
violação do sistema de dados do banco -, a responsabilidade do fornecedor
decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente assumido, de
gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há responsabilidade
objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso
e a pecha acarretou dano ao consumidor direto.
Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
Muito se tem discutido a
respeito da natureza da responsabilidade civil das instituições bancárias,
variando opiniões desde a responsabilidade fundada na culpa até a
responsabilidade objetiva, com base no risco profissional, conforme sustentou
Odilon de Andrade, filiando-se à doutrina de Vivante e Ramela
("Parecer" in RF 89⁄714). Neste ponto, entretanto, importa
ressaltar que a questão deve ser examinada por seu duplo aspecto: em relação
aos clientes, a responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a
terceiros, a responsabilidade é extracontratual. (Programa de responsabilidade
civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417)
Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação
aos não correntistas.
Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de
serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para
abertura de conta-corrente não há propriamente uma relação contratual
estabelecida entre eles e o banco.
Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a
ser objetiva.
Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara
a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como "fatos do
serviço", verbis:
Art. 17. Para os efeitos desta
Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
É nesse sentido o magistério de Cláudia Lima Marques:
A responsabilidade das entidades
bancárias, quanto aos deveres básicos contratuais de cuidado e segurança, é
pacífica, em especial a segurança das retiradas, assinaturas falsificadas e
segurança dos cofres. Já em caso de falha externa e total do serviço bancário,
com abertura de conta fantasma com o CPF da "vítima-consumidor" e
inscrição no Serasa (dano moral), usou-se a responsabilidade objetiva da
relação de consumo (aqui totalmente involuntária), pois aplicável o art. 17 do
CDC para transforma este terceiro em consumidor e responsabilizar o banco por
todos os danos (materiais e extrapatrimoniais) por ele sofridos. Os assaltos em
bancos e a descoberta das senhas em caixas eletrônicos também podem ser
considerados acidentes de consumo e regulados ex vi art. 14 do CDC.
(MARQUES, Cláudia Lima. Comentários do Código de Defesa do Consumidor. 3
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 424)
Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se de
consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição
financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos
consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes
previstas no CDC, como, por exemplo, "culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiros".
As instituições bancárias, em situações como a abertura de
conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de
segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das
vezes, aduzem a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo
quando as fraudes praticadas são reconhecidamente sofisticadas.
Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a
responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo,
assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a
atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São
Paulo: Atlas, 2010, p. 185).
É a "causa estranha" a que faz alusão o art. 1.382 do Código
Civil Francês (Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.
11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926).
É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma
impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio
Mário da Silva Pereira, "aconteceu de tal modo que as suas consequências
danosas não puderam ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram
necessariamente. Por tal razão, excluem-se como excludentes de responsabilidade
os fatos que foram iniciados ou agravados pelo agente" (Responsabilidade
civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 305).
Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação
do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a
responsabilidade por acidente de consumo:
Cremos que a distinção entre
fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos
acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível
e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da
realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz
parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a
noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço.
Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de
consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que
determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências,
ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.
O mesmo já não ocorre com o
fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação
com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço,
via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação.
Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a
rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência
de defeito (art. 14, § 3º, I)" ( CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de
Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257)
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Na mesma linha vem entendendo a
jurisprudência desta Corte, dando conta de que a ocorrência de fraudes ou
delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a
correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto
fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis
e, no mais das vezes, evitáveis.
Por exemplo, em um caso envolvendo roubo de talões de cheque, a Ministra
Nancy Andrighi, apoiada na doutrina do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
assim se manifestou:
Não basta, portanto, que o fato
de terceiro seja inevitável para excluir a responsabilidade do
fornecedor, é indispensável que seja também imprevisível. Nesse sentido,
é notório o fato de que furtos e roubos de talões de cheques passaram a ser
prática corriqueira nos dias atuais. Assim, a instituição financeira, ao
desempenhar suas atividades, tem ciência dos riscos da guarda e do transporte
dos talões de cheques de clientes, havendo previsibilidade quanto à
possibilidade de ocorrência de furtos e roubos de malotes do banco; em que pese
haver imprevisibilidade em relação a qual (ou quais) malote será roubado.
Aliás, o roubo de talões de
cheques é, na verdade, um caso fortuito interno, que não rompe o nexo
causal, ou seja, não elide o dever de indenizar, pois é um fato que se liga à
organização da empresa; relaciona-se com os riscos da própria atividade
desenvolvida. (cfr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade
civil no Código do consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 293).Portanto, o roubo de malote contendo cheques de clientes
não configura fato de terceiro, pois é um fato que, embora muitas vezes
inevitável, está na linha de previsibilidade da atividade bancária, o que atrai
a responsabilidade civil da instituição financeira. (REsp 685662⁄RJ, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2005, DJ 05⁄12⁄2005,
p. 323)
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O raciocínio tem sido o
mesmo para casos em que envolvem, abertura de conta-corrente ou liberação de
empréstimo mediante utilização de documentos falsos, ou, ainda, saques
indevidos realizados por terceiros.
Nesse sentido o REsp 1199782 / PR
resolveu o conflito de forma definitiva sobre o prisma do dispositivo
processual do art. 543-C :
RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO
CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL.
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS
CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do
CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por
fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de
conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de
documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do
empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1199782/PR, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011)
Em casos de fraude em abertura de conta, o serviço bancário é
evidentemente defeituoso, porquanto é aberta conta-corrente em nome de quem
verdadeiramente não requereu o serviço (art. 39, inciso III, do CDC). Tal fato
do serviço não se altera a depender da sofisticação da fraude, se utilizados
documentos falsificados ou verdadeiros, uma vez que o vício e o dano se fazem
presentes em qualquer hipótese.
Esse entendimento testilha com a jurisprudência sedimentada nesta Corte,
que possui, inclusive, precedente específico para o caso (REsp 964.055⁄RS, Rel.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28⁄08⁄2007, DJ
26⁄11⁄2007, p. 213) e atualmente tem sumula editada sob o nº 479:
SÚMULA N. 479 -
27/08/2012
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que o abalo moral é in
re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até
50 (cinquenta) salários mínimos.
Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 971.113⁄SP,
Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em
23⁄02⁄2010; AgRg no Ag 889.010⁄SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 11⁄03⁄2008.
Some-se a responsabilidade do
banco também com apoio no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002,
segundo o qual haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". É
precisamente o caso de risco da atividade econômica desenvolvida pelos bancos.
Logo a súmula 479 editada pelo
STJ reconheceu a responsabilidade objetiva do banco e o dano moral in re ipsa, para condenar a instituição
financeira recorrida em casos fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, como por
exemplo a abertura fraudulenta de conta.
Ver o dados sobre a sumula 479:
01/08/2012
Órgão:
|
Superior
Tribunal de Justiça
|
Fonte:
|
DJ-e
01/08/2012 - STJ
|
TEXTO INTEGRAL
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SEGUNDA SEÇÃO SÚMULA N. 479 As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Referência: CC/2002, art. 927, parágrafo único. CDC, arts. 14, § 3º, II, e 17. CPC, art. 543-C. REsp 1.197.929-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011). REsp 1.199.782-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011). REsp 685.662-RJ (3ª T 10/11/2005 – DJ 05/12/2005). AgRg no Ag 1.292.131-SP (3ª T 17/06/2010 – DJe 29/06/2010). REsp 1.045.897-DF (3ª T 24/05/2011 – DJe 01/06/2011). AgRg no Ag 1.430.753-RS (3ª T 03/05/2012 – DJe 11/05/2012). REsp 1.093.617-PE (4ª T 17/03/2009 – DJe 23/03/2009). AgRg no Ag 1.235.525-SP (4ª T 07/04/2011 – DJe 18/04/2011). AgRg no Ag 997.929-BA (4ª T 12/04/2011 – DJe 28/04/2011). AgRg no Ag 1.357.347-DF (4ª T 03/05/2011 – DJe 09/05/2011). AgRg no Ag 1.345.744-SP (4ª T 10/05/2011 – DJe 07/06/2011). AgRg no AREsp 80.075-RJ (4ª T 15/05/2012 – DJe 21/05/2012). (*) Recurso representativo da controvérsia. Este texto não substitui o publicado no DJe - STJ de 01.08.2012. |