Patrick Mattos

Patrick Mattos

segunda-feira, 15 de abril de 2013

DA DIVERGÊNCIA QUANTO A NATUREZA DO CREDITO REFERENTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO FALIMENTAR. TRABALHISTA OU PRIVILEGIO GERAL? CONTROVÉRSIA A SER DIRIMIDA PELO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Nº 1152218.


Uma das grandes polêmicas sobre o processo falimentar é alusivo à ordem na qual os créditos resultantes de honorários advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar.

Há uma discreta divergência entre órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça que já merecia uma uniformização.

a) de um lado, a Quarta e a Segunda Turmas entendendo que os honorários advocatícios constituem verba com privilégio geral e não se equiparam ao crédito trabalhista para efeitos de habilitação em processo falimentar (AgRg no REsp 1101332/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2012; AgRg no REsp 1267980/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2011; AgRg no REsp 1077528/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2010; REsp 1068838/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2009); REsp 612.923/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2007);


                      Este lado da jurisprudência do STJ apoia-se na tese de privilégio geral com base em três  pontos principais: a real intenção do legislador ao estabelecer a ordem de preferência no processo falimentar; a distinção entre o trabalho prestado pela advocacia em relação aos demais; e, por fim, a interpretação restritiva da legislação em questão.

            Quanto ao escopo do legislador em estabelecer privilégio especial à classe trabalhista, tem-se que sua justificativa apresenta nítido caráter social. Essa preferência prima pela proteção do trabalhador que, em caso de falência da empresa para a qual presta seus serviços, encontrar-se-ia desamparado. Reconhece-se aqui que, em razão dessa situação, deixaria o trabalhador de exercer sua atividade laborativa, da qual retirava sua única fonte de sobrevivência. Importante destacar, também, a preocupação do legislador em proteger o assalariado enquanto parte hipossuficiente, presumida por lei, na relação trabalhista com sua empresa.

                                 Percebe-se, de maneira clara, que a condição do advogado é bastante diferente desta acima narrada. De início, não existe relação de dependência e hipossuficiência entre o advogado e seu constituinte. É sabido que um grande escritório, advoga para diversos clientes, dos quais, em sua soma, retira seu sustento, sendo ainda evidente que não há entre os advogados e seus clientes qualquer presunção de hipossuficiência.

                          A verba honorária sucumbencial não pode, assim, ser habilitada como equivalente àquelas decorrentes da legislação trabalhista, por serem de natureza absolutamente inconciliável.

Nesse sentido de forma brilhante destaca a Excelentíssima Ministra Eliana Calmon, em seu voto-vista no REsp 1.068.838⁄PR, publicado no DJE em 4⁄2⁄2010, segundo o qual:


"Os honorários advocatícios não decorrem de uma relação de emprego, pois é certo que o profissional do direito, que presta um serviço eventual, não é empregado de seu cliente quando executa um mandato, estabelecendo-se por meio de um contrato de prestação de serviço uma relação jurídica regida pelo Código Civil.A CLT, em seu art. 3º, define que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

                     Por fim, em complemento a argumentação já exposta, ressalto que os artigos de lei ditos violados em momento algum dispõem, de maneira expressa, sobre a referida equiparação, não sendo possível a interpretação extensiva nesses casos, pois,como bem destaca Amador Paes de Almeida: "Não declarando a espécie de privilégio, é de se concluir pelo privilégio geral" (ob. cit. 3ª ed, Ed.Saraiva, p. 266, 2007, São Paulo).


b) e, de outro lado, a Terceira Turma abraçando entendimento segundo o qual os honorários advocatícios têm natureza alimentar, equiparando-se, por isso, aos créditos trabalhistas para efeito de habilitação na falência: REsp 988.126/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010; REsp 793.245/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2007.


Este lado da jurisprudência entende que a reconhecida natureza alimentar dos honorários advocatícios merece a mesma proteção que o salário o privilégio conferido pela Lei de Falências  aos  salários  deve  ser  estendido  também  aos  honorários,  porquanto  é exatamente  isso  que  a Lei  visa  a  proteger.  Interpreta-se, portanto, o  caput  do  art.  103  de maneira extensiva, atribuindo-lhe o significado amplo de remuneração.

O precedente modelo que defende a corrente de natureza alimentar dos honorários equiparando-se aos créditos trabalhistas dos honorários é o RESP 793.245:


FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DE CRÉDITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - NATUREZA TRABALHISTA-ALIMENTAR.
- Na falência, a habilitação do crédito por honorários advocatícios equipara-se ao trabalhista-alimentar e deve ser habilitado na mesma categoria deste (REsp 793.245/MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 27-3-2007).

Do voto do relator, colhem-se as seguintes ponderações, que calham qual luva à espécie:

O Tribunal  de  origem  deu  provimento  à  apelação  "para  determinar  a  inclusão  do  crédito  no quadro  geral  de  credores  da massa  falida  com  privilégio  especial  e  para  determinar  que  ao valor habilitado devem ser computados juros de 0,5% ao mês a partir da data da certidão de f. 47 até a data do efetivo pagamento, se a Massa comportar, sendo que a partir da vigência do Código Civil de 2002 incidirão juros de 1%." (fl. 105).
Assim, a discussão cinge-se em definir se, em falência, o crédito decorrente de honorários advocatícios deve ser habilitado na classe de privilégio geral ou especial.
Tanto a recorrente quanto o Ministério Público  invocam  julgados da Quarta Turma, a dizerem que os honorários advocatícios são créditos com privilégio geral. Vejam-se:
"(...) I. Os honorários advocatícios constituem, por força da Lei n. 8.906/1994, art. 24, caput, crédito com privilégio geral  (art. 102, III, da Lei n. 7.661/1945), pelo que não prevalecem sobre os créditos trabalhistas dos recorridos (art. 102, caput), os  quais,  inclusive,  são  originários  de  execução  anterior  (CPC,  art.  711), ensejando a penhora sobre os valores depositados em conta judicial, que é hígida. (...)" (REsp 550.389/PASSARINHO).
No  mesmo  sentido:  REsp  457.559/PASSARINHO  e  REsp 261.792/ROSADO.
No REsp 566.190/NANCY, declarando o escopo alimentar dos honorários advocatícios  esta  Turma  os  equiparou  a  salários,  para  fins  de  preferência  em  processo  de falência. Eis a ementa do julgado:
"-  A  natureza  alimentar  dos  honorários  autoriza  sua  equiparação  a  salários, inclusive para fins de preferência em processo falimentar.
- Esse entendimento não é obstado pelo fato de o titular do crédito de honorários ser uma sociedade de advogados, porquanto, mesmo nessa hipótese, mantém-se a natureza alimentar da verba.
Recurso conhecido e provido."
Os  honorários  são  simplesmente  os  frutos  do  trabalho  do  advogado. Os honorários são a remuneração do advogado e - por isso - sua fonte de alimentos.
Não vejo como se possa negar essa realidade.
Por isso - e a experiência de advogado militante me outorga autoridade para dizê-lo  -  os  honorários  advocatícios  têm  natureza  alimentar  e merecem  privilégio  similar  aos créditos trabalhistas.
De fato, assim como o salário está para o empregado e os vencimentos para servidores  públicos,  os  honorários  são  a  fonte  alimentar  dos  causídicos.  Tratá-los diferentemente é agredir o cânone constitucional da igualdade.
Conforta-me saber que, nesse entendimento, estamos na boa companhia da Primeira  Turma  do  Supremo  Tribunal  Federal,  que,  em  recente  julgado,  reformou  acórdão  desta Corte (RMS 17.536/DELGADO, Relator para acórdão Ministro FUX) e definiu a natureza alimentícia dos honorários de advogado,  livrando-os da dolorosa fila  dos precatórios comuns (cf.  RE  470.407/MARCO  AURÉLIO  no  Informativo  do  STF  n.  426  de  17  de  maio  de 2006).
Louvado nesses argumentos, empresto ao Art. 24 do EOAB,  interpretação coerente  com  o  princípio  da  proporcionalidade. Entendo  que  o  termo  "crédito  privilegiado" transporta  acepção que  se harmonize  com natureza  laboral-alimentar  - dos honorários  como fruto  do  labor  advocatício  destinado  às  necessidades  alimentares. Vale  dizer:  os  honorários constituem  crédito  privilegiado,  que  deve  ser  interpretado  em  harmonia  com  sua  natureza trabalhista e alimentar (EOAB, Art. 24).

                  No Recurso Especial 1152218 em 11/04/2013 o Min. Luis Felipe Salomão verificou haver multiplicidade de recursos a versar o tema tratado no recurso, alusivo à ordem na qual os créditos resultantes de honorários advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar e destinou o tema ao procedimento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.


Após 8 (oito anos) da LEI No 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005, o STJ depois de varias divergências entre suas turmas decidiu unificar a jurisprudência e solucionar a controvérsia quanto a ordem na qual os créditos resultantes de honorários advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar: trabalhista ou verba com privilégio geral.


Agora nos restar aguardar a decisão final da Corte Superior.

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