Uma das grandes polêmicas sobre o processo falimentar é alusivo à ordem
na qual os créditos resultantes de honorários advocatícios devem
ser satisfeitos no processo falimentar.
Há uma discreta divergência entre órgãos fracionários do Superior
Tribunal de Justiça que já merecia uma uniformização.
a) de um lado, a Quarta e a Segunda Turmas entendendo que os honorários
advocatícios constituem verba com privilégio geral e não se equiparam ao crédito
trabalhista para efeitos de habilitação em processo falimentar (AgRg no
REsp 1101332/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
19/06/2012; AgRg no REsp 1267980/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 03/11/2011; AgRg no REsp 1077528/RS, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2010; REsp 1068838/PR, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 24/11/2009); REsp 612.923/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA,
QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2007);
Este lado da jurisprudência
do STJ apoia-se na tese de privilégio geral com base em três pontos principais:
a real intenção do legislador ao estabelecer a ordem de preferência no
processo falimentar; a distinção entre o trabalho prestado pela advocacia em
relação aos demais; e, por fim, a interpretação restritiva da legislação
em questão.
Quanto ao escopo do
legislador em estabelecer privilégio especial à classe trabalhista, tem-se
que sua justificativa apresenta nítido caráter social. Essa preferência prima
pela proteção do trabalhador que, em caso de falência da empresa para a qual presta
seus serviços, encontrar-se-ia desamparado. Reconhece-se aqui que, em razão dessa
situação, deixaria o trabalhador de exercer sua atividade laborativa, da qual retirava
sua única fonte de sobrevivência. Importante destacar, também, a preocupação do
legislador em proteger o assalariado enquanto parte hipossuficiente, presumida
por lei, na relação trabalhista com sua empresa.
Percebe-se, de
maneira clara, que a condição do advogado é bastante diferente desta acima
narrada. De início, não existe relação de dependência e hipossuficiência
entre o advogado e seu constituinte. É sabido que um grande escritório, advoga
para diversos clientes, dos quais, em sua soma, retira seu sustento, sendo
ainda evidente que não há entre os advogados e seus clientes qualquer presunção
de hipossuficiência.
A verba honorária
sucumbencial não pode, assim, ser habilitada como equivalente àquelas
decorrentes da legislação trabalhista, por serem de natureza absolutamente
inconciliável.
Nesse sentido de
forma brilhante destaca a Excelentíssima Ministra Eliana Calmon, em seu
voto-vista no REsp 1.068.838⁄PR, publicado no DJE em 4⁄2⁄2010, segundo o
qual:
"Os honorários advocatícios não decorrem de uma relação de emprego,
pois é certo que o profissional do direito, que presta um serviço
eventual, não é empregado de seu cliente quando executa um mandato,
estabelecendo-se por meio de um contrato de prestação de serviço uma
relação jurídica regida pelo Código Civil.A CLT, em seu art. 3º, define
que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário”.
b) e, de outro lado, a Terceira Turma abraçando entendimento segundo o
qual os honorários advocatícios têm natureza alimentar, equiparando-se,
por isso, aos créditos trabalhistas para efeito de habilitação na
falência: REsp 988.126/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 20/04/2010; REsp 793.245/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2007.
Este lado da jurisprudência entende que a reconhecida natureza alimentar
dos honorários advocatícios merece a mesma proteção que o salário o
privilégio conferido pela Lei de Falências
aos salários deve
ser estendido também
aos honorários, porquanto
é exatamente isso que a
Lei visa
a proteger. Interpreta-se, portanto, o caput
do art. 103 de
maneira extensiva, atribuindo-lhe o significado amplo de remuneração.
O precedente modelo que defende a corrente de natureza alimentar
dos honorários equiparando-se aos créditos trabalhistas dos honorários é o RESP
793.245:
FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DE CRÉDITO -
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - NATUREZA TRABALHISTA-ALIMENTAR.
- Na falência, a habilitação do
crédito por honorários advocatícios equipara-se ao trabalhista-alimentar e deve
ser habilitado na mesma categoria deste (REsp 793.245/MG, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, j. 27-3-2007).
Do voto do relator, colhem-se as seguintes ponderações, que
calham qual luva à espécie:
O Tribunal de
origem deu provimento
à apelação "para
determinar a inclusão
do crédito no quadro
geral de credores
da massa falida com
privilégio especial e
para determinar que ao
valor habilitado devem ser computados juros de 0,5% ao mês a partir da data da
certidão de f. 47 até a data do efetivo pagamento, se a Massa comportar, sendo
que a partir da vigência do Código Civil de 2002 incidirão juros de 1%."
(fl. 105).
Assim, a discussão cinge-se em
definir se, em falência, o crédito decorrente de honorários advocatícios deve
ser habilitado na classe de privilégio geral ou especial.
Tanto a recorrente quanto o
Ministério Público invocam julgados da Quarta Turma, a dizerem que os
honorários advocatícios são créditos com privilégio geral. Vejam-se:
"(...) I. Os honorários
advocatícios constituem, por força da Lei n. 8.906/1994, art. 24, caput,
crédito com privilégio geral (art. 102,
III, da Lei n. 7.661/1945), pelo que não prevalecem sobre os créditos
trabalhistas dos recorridos (art. 102, caput), os quais,
inclusive, são originários
de execução anterior
(CPC, art. 711), ensejando a penhora sobre os valores
depositados em conta judicial, que é hígida. (...)" (REsp
550.389/PASSARINHO).
No
mesmo sentido: REsp
457.559/PASSARINHO e REsp 261.792/ROSADO.
No REsp 566.190/NANCY, declarando o
escopo alimentar dos honorários advocatícios
esta Turma os
equiparou a salários,
para fins de
preferência em processo
de falência. Eis a ementa do julgado:
"- A
natureza alimentar dos
honorários autoriza sua
equiparação a salários, inclusive para fins de preferência
em processo falimentar.
- Esse entendimento não é obstado
pelo fato de o titular do crédito de honorários ser uma sociedade de advogados,
porquanto, mesmo nessa hipótese, mantém-se a natureza alimentar da verba.
Recurso conhecido e provido."
Os
honorários são simplesmente
os frutos do
trabalho do advogado. Os honorários são a remuneração do
advogado e - por isso - sua fonte de alimentos.
Não vejo como se possa negar essa
realidade.
Por isso - e a experiência de
advogado militante me outorga autoridade para dizê-lo -
os honorários advocatícios
têm natureza alimentar
e merecem privilégio similar
aos créditos trabalhistas.
De fato, assim como o salário está
para o empregado e os vencimentos para servidores públicos,
os honorários são
a fonte alimentar
dos causídicos. Tratá-los diferentemente é agredir o cânone
constitucional da igualdade.
Conforta-me saber que, nesse
entendimento, estamos na boa companhia da Primeira Turma
do Supremo Tribunal
Federal, que, em
recente julgado, reformou
acórdão desta Corte (RMS
17.536/DELGADO, Relator para acórdão Ministro FUX) e definiu a natureza
alimentícia dos honorários de advogado,
livrando-os da dolorosa fila dos
precatórios comuns (cf. RE 470.407/MARCO
AURÉLIO no Informativo
do STF n.
426 de 17
de maio de 2006).
Louvado nesses argumentos, empresto
ao Art. 24 do EOAB, interpretação
coerente com o
princípio da proporcionalidade. Entendo que
o termo "crédito
privilegiado" transporta
acepção que se harmonize com natureza
laboral-alimentar - dos
honorários como fruto do
labor advocatício destinado
às necessidades alimentares. Vale dizer:
os honorários constituem crédito
privilegiado, que deve
ser interpretado em
harmonia com sua
natureza trabalhista e alimentar (EOAB, Art. 24).
No Recurso Especial 1152218 em
11/04/2013 o Min. Luis Felipe Salomão verificou haver multiplicidade de recursos a versar
o tema tratado no recurso, alusivo à ordem na qual os créditos resultantes de honorários
advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar e destinou o tema
ao procedimento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça.
Após 8 (oito anos) da LEI No 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005, o
STJ depois de varias divergências entre suas turmas decidiu unificar a jurisprudência
e solucionar a controvérsia quanto a ordem na qual os créditos resultantes de honorários
advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar: trabalhista ou verba
com privilégio geral.
Agora nos restar aguardar a decisão final da Corte Superior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário