Patrick Mattos

Patrick Mattos

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EXEQUENTE POR DÍVIDA JÁ PAGA, TOTAL OU PARCIALMENTE. EXEGE DO ART. 574 DO CPC. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÂO MORAL E MATERIAL AO DEVEDOR POR EXECUÇÃO TEMERÁRIA.


O art. 574, do Código de Processo Civil, prevê expressamente que o credor deverá indenizar o devedor pelos prejuízos suportados toda a vez que decisão judicial declarar, no todo ou em parte, inexistente a dívida que fundou a execução:

Art. 574 - O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução. (grifos nossos)

O supracitado artigo processual seguia o entendimento do que dispunha o revogado art. 1.531 do Código Civil de 1916: "Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar o devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação."

Alguns doutrinadores entendem que com a revogação do código civil, o referido dispositivo foi recebido pelo art. 940 CC/02 que trata da repetição de indébito, outros doutrinadores entendem que o art. 1531 foi recepcionado no novo código civil pelos art. 17 e 18 que tratam de litigância de má-fé.
Porém ao nosso entender, tratam-se de disposições diferentes, sendo o art. 574 do CPC uma reparação pecuniária equivalente aos danos sofridos pelo executado, podendo ser cumuladas com repetição de indébito e litigância de má-fé caso o magistrado decida pela suas utilizações.

Ao nosso entender, o art. 574 do CPC é uma sanção reparatória exclusiva da ação de execução, podendo ser requerido via embargos à execução, exceção de pré-executivdade e impugnação.

Há divergência na doutrina sobre qual o meio apto para o devedor obter a declaração da inexistência da obrigação e o reconhecimento do direito à indenização pelo dano sofrido. Podem, desde logo, ser mencionados: ação autônoma; embargos do devedor, impugnação a execução e ação rescisória.

A legitimidade ativa é do devedor, parte demandada na ação executiva ou no cumprimento da sentença, interpretação mais condizente com a regra em exame.

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a indenização prevista no referido dispositivo legal exige que o credor tenha agido de má-fé ao demandar o devedor por dívida já paga, total ou parcialmente, sem ressalvar valores recebidos. Tal entendimento, inclusive, está contido analogicamente na Súmula 159⁄STF:"Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1531 do Código Civil."  
    
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 730.861⁄DF, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.11.2006, p. 252; REsp 730.861⁄DF, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.11.2006, p. 252; REsp 507.310⁄PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 1º.12.2003, p. 319; REsp 403.444⁄DF, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 24.3.2003, p. 228; REsp 256.304⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18.9.2000, p. 136; AgRg no REsp 130.854⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 26.6.2000, p. 140; REsp 99.683⁄MT, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 15.6.1998, p. 115.

Note-se que o ressarcimento previsto no aludido dispositivo legal é de natureza objetiva, prescindindo, portanto, da existência de dolo ou culpa.

A esse respeito, precisos os escólios do atual ministro do STF TEORI ALBINO ZAVASCKI:

"Segundo opinião generalizada da doutrina, é de natureza objetiva a responsabilidade prevista no art. 574. 'O fundamento do ressarcimento ao executado dos danos que sofreu pela execução infundada é o mesmo da condenação em custas. É o fato objetivo da derrota, ou do sucumbimento', escreveu Amílcar de Castro. Trata-se de responsabilidade objetiva que decorre do risco ligado ao ônus processual', observou Mario Aguiar Moura. Sua natureza é idêntica à da prevista para o ressarcimento dos danos em caso de execução provisória (art. 588, I), também objetiva, segundo doutrina clássica. Dispensa-se, conseqüentemente, investigação sobre dolo ou culpa. Basta, para obter ressarcimento, a prova da existência do dano - patrimonial ou moral - e da sua relação de causa e efeito com o processo de execução" ("Comentários ao código de processo civil". 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 116).

Ao mesmo resultado levam as ponderações de ARAKEN:

"O elemento subjetivo (culpa 'lato sensu') é irrelevante na caracterização de semelhante responsabilidade do credor. Os arts. 574 e 588, I, que tratam do assunto, consagram hipóteses de responsabilidade objetiva. À incidência dessas regras basta a configuração de requisito único: a emanação de provimento jurisdicional, designado de sentença, mas que abranqe qualquer ato decisório provido deste efeito, que, após a abertura do procedimento 'in executivis', desfaça o crédito excutido no todo ou em parte. É bem de ver que o processo executivo, do ângulo das regras processuais, se desenvolveu válida e legitimamente, mas produziu, fora do processo, dano injusto, porque inexistente a obrigação. Conforme acentua Chiovenda, é justo que suporte o dano o credor que provocou, em proveito próprio, a execução injusta, na medida em que o devedor não fez para provocar tal dano e sequer se encontrava obrigado a evitá- lo" ("Comentários ao código de processo civil", 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. VI, n° 40, ps. 83-84) (grifo não original)

                        De outra parte, "os danos", aos quais alude o art. 574 do CPC, devem ser entendidos em sentido amplo, abrangendo tanto o dano material como o dano moral ocasionado ao devedor pela execução infundada.

Nos dizeres de TEORI ALBINO ZAVASCKI, já citado:

"Os danos de que trata o art. 574 são os objetivamente decorrentes da existência do processo de execução. Não se limitam ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que têm disciplina própria e são devidos em qualquer execução, e não apenas na que foi frustrada pela superveniente sentença que declarou a inexistência da obrigação.
O dispositivo fala em 'danos que [o devedor] sofreu', devendo-se compreendê-los, portanto, em sentido amplo, tais como previstos no art. 402 do CC (art. 1.059 do CC/16): abrangem, além do que o executado efetivamente perdeu, também o que deixou de lucrar. Não há porque excluir os danos morais efetivamente comprovados, notadamente em face do que dispõe o art. 5o, X, da Constituição. (...). Em suma, são todos os danos, devidamente comprovados, que tenham relação de causalidade com o processo de execução intentado para haver o cumprimento de obrigação declarada, posteriormente, inexistente" ("Comentários ao código de processo civil", 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 8, p. 115) (grifo não original).

Inegável, por outro lado, que a conduta do exequente em distribuir ação judicial de divida já paga total ou parcialmente, submete, injustamente, o executado a uma situação vexatória, causando-lhe aborrecimento e dissabor, além de abalo ao seu crédito.

É possível ao executado obter a declaração de inexistência da obrigação através de ação autônoma, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos do devedor, ação rescisória ou agravo de instrumento. Mesmo que o fundamento da declaração surja após o ajuizamento da execução é viável o reconhecimento da responsabilidade do credor. Apenas o ajuizamento de execução, independente de outro ato, sendo declarada inexistente toda a obrigação, pode gerar a obrigação de indenizar, caso tenha sido atingida a esfera jurídica do executado. A liquidação dos danos pode ser procedida nos mesmos autos ou em apenso, como incidente, sendo importante a observância dos princípios do processo civil e a racionalidade dos atos, o que fornecerá a melhor solução para o caso concreto.

Logo, o legislador processual não permitiu que o credor utilizasse a ação expropriatória sem qualquer sanção por irresponsabilidade, e permitiu o executado requerer reparação dos danos sofridos pela execução temerária, estando essa responsabilidade do credor exposta no art. 574 do CPC. 

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