Patrick Mattos

Patrick Mattos

domingo, 23 de setembro de 2012

O ANIMUS DE NOVAR NOS CONTRATOS DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. DA NECESSIDADE DO DEMONSTRATIVO DE DÉBITO DA EVOLUÇÃO DA DIVIDA DESDE A ORIGEM NAS EXECUÇÕES LASTREADAS EM INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA COMO CONDIÇÃO DE LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DA SUMULA 286 DO STJ



Registre-se, inicialmente que, o instrumento particular no qual alicerça a pretensão do exequente e desse estudo não se constitui, absolutamente, em uma propalada novação, mas sim mera "confissão de dívidas", pois consoante prevê o art. 360, I, da Lei Substantiva Civil, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior e, se assim o é, ausente se fazendo tal circunstância, qual seja, o denominado animus novandi , inarredável se faz a aplicação da norma contida no art. 361, do mesmo Diploma Legal preconizando que não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira .

O conceito jurídico de novação, em sendo assim, impõe um acordo de vontades entre os contratantes a fim de que, pela substituição, seja extinta a obrigação primitiva, substituindo-a por outra, esta completamente independente da anterior.

A simples sucessão contratual, encadeada sobre a obrigação original que é sucedida - e é o que ocorre analogicamente aos contratos bancários de renegociação de débitos bancários -, não opera sobre o relacionamento jurídico-financeiro a novação, porque falta-lhe à tipificação a criação, em primeiro lugar, de uma obrigação e, em segundo, a intenção de novar.

A partir do momento em que o devedor assina a confissão da divida, passa a pagar juros e encargos, não lhe sendo possíveis discutir as modalidades dos contratos de adesão, que simplesmente são submetidos à sua assinatura.

A partir de então, na condição de devedor fica submetido, via contrato de adesão, à imposição do credor que, então, pode pretender valer-se do manto da novação, com o fito de encobrir as ilegalidades e abusividades que se espelham no contrato anterior.

Se o exequente tivesse o animus de dar força de novação ao contrato de confissão de dívida, a teria expressamente adicionado no termo em questão, porém teria a ciência que iria ser obrigado a adotar as praticas corretas de correção e aplicação do juros ao débito original do empréstimo e o “saldo apurado” seria claramente objeto de AÇÃO REVISIONAL, como o foi no presente caso. Há de se lembrar que o embargante na relação é hipossuficiente, não tinha a época auxilio judicial ou contábil para perceber a cilada a ele imposta.

Os contratos de confissão de dívida por forma adesiva, neste sentido, é um destes baluartes aos quais o credor normalmente instituições financeiras apegam-se para sustentarem e encobrirem operações abusivas.

É verdade que, hodiernamente, instituição financeira contratam com clientes as mais variadas modalidades de operações. Estas operações, na grande maioria, não terminam em si, estendendo-se e continuando em uma seqüência de contratos, chamados no jargão empresarial de "mata-mata".

Neste diapasão, quando o relacionamento jurídico-financeiro é posto sob a luta da revisão judicial, o credor alega que as obrigações legais estão extintas, porquanto a novação cobriu seu manto, apresentando somente o último contrato, o qual, geralmente, não representa senão o último mês de relacionamento.

Com isso, busca o credor "sepultar", sob a lápide da novação, todos os abusos que foram cometidos nos contratos anteriores, pretendendo, assim, que haja uma nova obrigação, limpa de ilegalidades.
Citando de forma análoga doutrina de ilegalidades bancárias, ensina: “Assim, se se permitir apenas uma análise formal da questão, estar-se-á homenageando a prática da má-fé nos contratos, ofendendo os princípios da contratualística."(Ilegalidades nos Contratos Bancários.2a ed. 2.002. Rio de Janeiro: Aide Editora. pp. 153 e 154).

Posto assim, claro fica que, em tais hipóteses, não se pode admitir a novação, porquanto a obrigação anterior era juridicamente eivada de vícios e, portanto, não poderia ser novada, visto que um dos requisitos é que exista obrigação anterior válida.

Assim já se manifestou o STJ em caso de mutuo análogo ao caso:
"Realização de novo mútuo para encobrir capital e juros do empréstimo anterior, vencido e não resgatado. Isto viola a proibição do anatocismo, porque no mútuo superveniente, a título de principal, "são agregadas as parcelas nas quais se decompõe a dívida anterior (capital mais encargos) e os custos da nova obrigação"."(STJ, 4a T., REsp n. 7.432-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira , DJU de 17.09.91).

Sustenta Álvaro Augusto Cassetari :

"A simples modificação das taxas de juros, parcelamento da dívida, ou prorrogação da data do vencimento da dívida não representam modificação da obrigação, mas,sim, como nas palavras de Rogério Lauria Tucci," meras alterações ocasionais "ocorridas no curso do contrato bancário originário. Pois, a obrigação continuará sendo a mesma: a de pagar ao banco o capital originariamente emprestado acrescido dos encargos financeiros." (Confissão de Dívida Bancária - Novação. 1a ed. 2a tir. 2002. Curitiba: Juruá. pp. 79 e 80).

Como expôs o egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"Não constitui novação o acordo de vontades, através do qual os contratantes quantificam o valor da dívida em atraso, abrangendo principal, correção monetária e juros, pactuam o pagamento da soma fixada em parcelas periódicas, entregando o devedor, ao credor, na oportunidade, notas promissórias representativas do valor do principal e acessórios."(1a T., REsp n. 226.703-DF, rel. Min. José Delgado , DJU de 17.12.99, p. 442).

Nesse contexto , a idéia de novação deve ser rechaçada, posto que clara a continuidade negocial existente, com a confissão resumindo-se em, apenas, uma renegociação de saldo devedor existente.

O demonstrativo de débito juntado apenas do contrato de confissão de dívida não explicita os juros, a correção monetária e outros encargos aplicados ao valor confesso, impossibilitando, assim, aferir a origem evolução da dívida desde a dívida inicialmente firmada.

A simples confissão de dívida decorrente de contrato anterior, como já dito não implica por si só em novação, senão, em verdade, num prolongamento do prazo de exigibilidade do débito, com a inserção de novos acessórios. Nesse contexto, o que está sendo executado é, com maior precisão, a obrigação contratual originária, o que impõe-se que, venha aos autos a demonstração completa da evolução do débito desde os seus primórdios.

E, sendo certo, que dentro de uma interpretação extensiva e utilizando-se da analogia, a teor da súmula 286 do STJ, que "a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores", mister se faz a presença de todas as avenças entabuladas entre os litigantes, precipuamente as que culminaram na pactuação do instrumento de confissão de divida, a fim de se aferir o efetivo preenchimento dos requisitos de exeqüibilidade: liquidez, exigibilidade e certeza do título, o que não fez o embargado.

Para que se exemplifique esta tentativa de mascarar ilegalidades, quando o exequente, junta o contrato de confissão de divida com encargos legais sobre o valor confesso, esse valor confessado de forma adesiva pelo devedor normalmente é realizado com incidência de correções monetárias com índices abusivos (como CDI E TJLP), somada de multa moratória de 10% (ilegal da ótica consumerista, visto que o CDC expressamente ordena a utilização de 2%), juros moratórios e algumas vezes somados a juros remuneratórios com capitalização mensal de juros .

Muitas vezes esta evolução da divida chega a triplicar o valor correto do que o executado realmente deve ao credor, servindo a confissão de divida como instrumento de convalidação de ilegalidades dos encargos aplicados no valor confesso.

A apresentação dos cálculos desde sua origem se faz obrigatória para que o contrato de confissão de divida como titulo executivo extrajudicial demonstre sua liquidez e exigibilidade.

A apresentação de planilha de cálculos demonstrando a evolução da divida desde a origem evita que o credor venha mascarar abusividades do valor confesso no contrato de confissão de dívida por este motivo a sumula 286 do STJ, para afastar essa pratica abusiva entre contratados a qual são regidos pelo principio da eticidade.

A obscuridade nos cálculos, ou a distância entre eles e a propositura da ação, prejudicam o devedor na condição de executado, pois impedem sua defesa uma vez que impossibilitam a análise dos valores.

A respeito, pertinente é a lição do mais novo ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o ínclito Teori Albino Zavascki:

"A memória do cálculo consiste em demonstrativo do débito atualizado até a propositura da ação (CPC, art. 614, II) discriminando claramente as operações realizadas, com identificação precisa do valor e da natureza dos elementos adotados como base, de modo a permitir que o devedor e o juiz tenham condições de aquilatar a adequação do valor executado com a obrigação resultante do título executivo." (Título Executivo e Liquidação, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 193).

Como elemento obrigatório para propositura da execução, nos termos do art. 614, II, do CPC, o demonstrativo atualizado do debito deve ser claro e elucidativo.

Para Sergio Bermudes, "não basta ao credor afirmar qual o credito atualizado. Cumpre-lhe juntar a inicial uma memória de calculo, explicitando a operação que o levou a alcançar o valor final, atualizado na forma da lei, da sentença, ou do negocio jurídico de que resulta." (A reforma do código de processo civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,)

Além de delimitar o valor executado, o demonstrativo tem que habilitar a compreensão do calculo pelas partes, facultando defesa ao executado.

Sobre o tema, confira-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

Direito processual civil. Agravo no recurso especial. Embargos do devedor à execução. Confissão de dívida. Oriunda de contrato de abertura de crédito. Título extrajudicial. Juntada dos contratos originários. Inércia do exequente. Extinção da execução.
- A confissão de dívida é título hábil para a execução, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito, novado ou não, goza de plena liquidez, certeza e exigibilidade, constituindo-se, portanto, título executivo extrajudicial.
- A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores"(Súmula n. 286/STJ).
- Questionada, todavia, a legalidade das cláusulas do contrato originário, pode haver o debate do valor devido, ainda que renegociado, e, em tal caso, precedentemente à extinção do processo, deve ser oportunizada ao credor a juntada daquele pacto e do demonstrativo de evolução dele advindo, nos termos do art. 616 do CPC. Precedentes.
- A não juntada dos contratos anteriores pelo credor, apesar de devidamente intimado para tanto, acarreta a extinção do processo executivo sem julgamento do mérito. Agravo no recurso especial a que se nega provimento. (STJ, AGRESP n. 988699/SC, 3ª Turma, j. em 06.03.2008, relª. Minª. Nancy Andrighi)

Os tribunais pátrios seguem o entendimento da corte superior:

Ementa: AÇÃO REVISIONAL. CONFISSÃO DE DÍVIDA. INEXISTÊNCIA DE NOVAÇÃO. CONFIRMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DO TÍTULO ORIGINÁRIO. Não tendo o novo título ânimo de novar, pois, expressamente, as partes acordantes arredaram a intenção de novar, incide a norma do artigo 1.000 do CC. Ou seja, a segunda obrigação, que ora se executa, apenas confirmou a anterior, razão por que deve ser desconstituída a sentença para que a execução prossiga tendo por base também o título originário. REVISÃO DE CONTRATOS JÁ QUITADOS. Possibilidade. Relação jurídica continuativa. DA POSSIBILIDADE DE REVISAR CONTRATAÇÕES BANCÁRIAS COM BASE NO CDC. Aplicabilidade do CDC. Doutrina e jurisprudência. JUROS. LIMITAÇÃO A 12% A.A., FLAGRADA A ABUSIVIDADE EM CLÁUSULA CONTRATUAL. CDC. INDEXADOR. TAXA REFERENCIAL. Tendo sido pactuada, incide como índice de correção monetária. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70001149541, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 12/09/2000)

Diante de tais circunstâncias, a execução que apresenta apenas o demonstrativo de débito da divida após o contrato de confissão de divida não está em conformidade com a regra do artigo 614, II do Código de Processo Civil, não se prestando, pois, para instruir o pedido inicial, induzindo a nulidade da execução.

Não tendo o novo título ânimo de novar, pois, expressamente, as partes acordantes arredaram a intenção de novar, incide a norma do artigo 361 do CC/02 . Ou seja, a segunda obrigação, que ora se executa, apenas confirmou a anterior, razão por que deve ser extinta a execução por inexistência de demonstrativo de débito com a evolução da divida desde sua origem.

Por eventualidade, caso o julgador não conheça a nulidade da execução, deve ser convertido o julgamento em diligência, cumprindo-se o art. 616 do CPC e art. 6º, VIII, do CDC (caso a relação seja consumerista), de modo que, a exequente seja intimada para exibir o demonstrativo de evolução do débito desde sua origem e, havendo, outros ajustes que digam respeito ao instrumento de confissão de dívida e outras avenças já acostado aos autos, com prazo de dez dias, oportunizando-se, em seguida, aos embargantes, se for o caso, ofertarem manifestação.

Patrick Lima de Mattos – Advogado Cível – Cobrança Judicial
Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - A D V O G A D O S

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