Patrick Mattos

Patrick Mattos

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

SUMULA 479 DO STJ - DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS POR DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS.

A responsabilidade civil das instituições bancárias é tema que atravessa décadas no cenário jurídico brasileiro, tendo o STJ, tal como o STF, jurisprudência razoavelmente firme nesse aspecto.

É da década de 60, por exemplo, a Súmula n. 28⁄STF, segundo a qual: "O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista".

O mencionado verbete possuía como suporte jurídico a idéia de risco do empreendimento ou da profissão, como ficou claro no voto do relator do RE n. 3.876⁄SP, um dos precedentes que deram origem à Súmula.

Como razões de decidir, o relator, Ministro Anibal Freire, mencionou a sentença de piso nos seguintes termos:
Em caso como o dos autos, em que não há culpa do suposto emissor, nem do sacado, este deve suportar os prejuízos do pagamento do cheque falso, porque isto é um dos riscos de sua profissão, porque o pagamento é feito com seus fundos, porque o crime de falsidade foi contra ele dirigido e porque ao suposto emissor era impossível evitar que o crime produzisse seus efeitos. (RE 3876, Relator(a):  Min. ANIBAL FREIRE, Primeira Turma, julgado em 03⁄12⁄1942)

Ainda que o conteúdo da Súmula n. 28⁄STF esboce algo de responsabilidade objetiva, revelava-se nítida a atenuação da responsabilidade da instituição financeira, na medida em que havia possibilidade de afastamento desta, em caso de culpa concorrente do correntista.

Nessa esteira, foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato, no sentido de que, em relação a cheque falsificado, "em princípio, o Banco é responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade, se provar culpa grave do correntista" (RE 8740, Relator(a):  Min. OROZIMBO NONATO, Segunda Turma, julgado em 18⁄11⁄1949).

Essa visão histórica apenas para assinalar a tendência sinalizada pela Corte Suprema, antes da vigência do Código Consumerista.

Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo, por apresentação de cheque falsificado, não se verifica pela mera concorrência de culpa do correntista.

É que o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, somente afasta a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço quando a culpa do consumidor ou de terceiro for exclusiva, verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[...]
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes praticadas por terceiros - hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco -, a responsabilidade do fornecedor decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao consumidor direto.
Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
Muito se tem discutido a respeito da natureza da responsabilidade civil das instituições bancárias, variando opiniões desde a responsabilidade fundada na culpa até a responsabilidade objetiva, com base no risco profissional, conforme sustentou Odilon de Andrade, filiando-se à doutrina de Vivante e Ramela ("Parecer" in RF 89⁄714). Neste ponto, entretanto, importa ressaltar que a questão deve ser examinada por seu duplo aspecto: em relação aos clientes, a responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual. (Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417)

Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação aos não correntistas.

Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para abertura de conta-corrente não há propriamente uma relação contratual estabelecida entre eles e o banco.

Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva.

Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como "fatos do serviço", verbis:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
  
É nesse sentido o magistério de Cláudia Lima Marques:
A responsabilidade das entidades bancárias, quanto aos deveres básicos contratuais de cuidado e segurança, é pacífica, em especial a segurança das retiradas, assinaturas falsificadas e segurança dos cofres. Já em caso de falha externa e total do serviço bancário, com abertura de conta fantasma com o CPF da "vítima-consumidor" e inscrição no Serasa (dano moral), usou-se a responsabilidade objetiva da relação de consumo (aqui totalmente involuntária), pois aplicável o art. 17 do CDC para transforma este terceiro em consumidor e responsabilizar o banco por todos os danos (materiais e extrapatrimoniais) por ele sofridos. Os assaltos em bancos e a descoberta das senhas em caixas eletrônicos também podem ser considerados acidentes de consumo e regulados ex vi art. 14 do CDC. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários do Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 424)
Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como, por exemplo, "culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros".

As instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, aduzem a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas são reconhecidamente sofisticadas.

Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185).

É a "causa estranha" a que faz alusão o art. 1.382 do Código Civil Francês (Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926).

É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, "aconteceu de tal modo que as suas consequências danosas não puderam ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram necessariamente. Por tal razão, excluem-se como excludentes de responsabilidade os fatos que foram iniciados ou agravados pelo agente" (Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 305).

Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo:

Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I)" ( CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p.  256-257)
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Na mesma linha vem entendendo a jurisprudência desta Corte, dando conta de que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis e,  no mais das vezes, evitáveis.

Por exemplo, em um caso envolvendo roubo de talões de cheque, a Ministra Nancy Andrighi, apoiada na doutrina do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, assim se manifestou:
Não basta, portanto, que o fato de terceiro seja inevitável para excluir a responsabilidade do fornecedor, é indispensável que seja também imprevisível. Nesse sentido, é notório o fato de que furtos e roubos de talões de cheques passaram a ser prática corriqueira nos dias atuais. Assim, a instituição financeira, ao desempenhar suas atividades, tem ciência dos riscos da guarda e do transporte dos talões de cheques de clientes, havendo previsibilidade quanto à possibilidade de ocorrência de furtos e roubos de malotes do banco; em que pese haver imprevisibilidade em relação a qual (ou quais) malote será roubado.
Aliás, o roubo de talões de cheques é, na verdade, um caso fortuito interno, que não rompe o nexo causal, ou seja, não elide o dever de indenizar, pois é um fato que se liga à organização da empresa; relaciona-se com os riscos da própria atividade desenvolvida. (cfr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade civil no Código do consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 293).Portanto, o roubo de malote contendo cheques de clientes não configura fato de terceiro, pois é um fato que, embora muitas vezes inevitável, está na linha de previsibilidade da atividade bancária, o que atrai a responsabilidade civil da instituição financeira. (REsp 685662⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2005, DJ 05⁄12⁄2005, p. 323)
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 O raciocínio tem sido o mesmo para casos em que envolvem, abertura de conta-corrente ou liberação de empréstimo mediante utilização de documentos falsos, ou, ainda, saques indevidos realizados por terceiros.

Nesse sentido o REsp 1199782 / PR resolveu o conflito de forma definitiva sobre o prisma do dispositivo processual do art. 543-C  :
 RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL.
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011)

Em casos de fraude em abertura de conta, o serviço bancário é evidentemente defeituoso, porquanto é aberta conta-corrente em nome de quem verdadeiramente não requereu o serviço (art. 39, inciso III, do CDC). Tal fato do serviço não se altera a depender da sofisticação da fraude, se utilizados documentos falsificados ou verdadeiros, uma vez que o vício e o dano se fazem presentes em qualquer hipótese.

Esse entendimento testilha com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, que possui, inclusive, precedente específico para o caso (REsp 964.055⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28⁄08⁄2007, DJ 26⁄11⁄2007, p. 213) e atualmente tem sumula editada sob o nº 479:
SÚMULA N. 479 - 27/08/2012 
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. 

Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que o abalo moral é in re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até 50 (cinquenta) salários mínimos.

Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 971.113⁄SP, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄02⁄2010; AgRg no Ag 889.010⁄SP, Rel. Ministro  SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11⁄03⁄2008.

Some-se a responsabilidade do banco também com apoio no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, segundo o qual haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". É precisamente o caso de risco da atividade econômica desenvolvida pelos bancos.

Logo a súmula 479 editada pelo STJ reconheceu a responsabilidade objetiva do banco e o dano moral in re ipsa, para condenar a instituição financeira recorrida em casos fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, como por exemplo a abertura fraudulenta de conta.


Ver o dados sobre a sumula 479:

01/08/2012
Órgão:
Superior Tribunal de Justiça
Fonte:
DJ-e 01/08/2012 - STJ

TEXTO INTEGRAL

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SEGUNDA SEÇÃO

SÚMULA N. 479


As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Referência
:

CC/2002, art. 927, parágrafo único.
CDC, arts. 14, § 3º, II, e 17.
CPC, art. 543-C.
REsp 1.197.929-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011).
REsp 1.199.782-PR (*) (2ª S 24/08/2011 – DJe 12/09/2011).
REsp 685.662-RJ (3ª T 10/11/2005 – DJ 05/12/2005).
AgRg no Ag 1.292.131-SP (3ª T 17/06/2010 – DJe 29/06/2010).
REsp 1.045.897-DF (3ª T 24/05/2011 – DJe 01/06/2011).
AgRg no Ag 1.430.753-RS (3ª T 03/05/2012 – DJe 11/05/2012).
REsp 1.093.617-PE (4ª T 17/03/2009 – DJe 23/03/2009).
AgRg no Ag 1.235.525-SP (4ª T 07/04/2011 – DJe 18/04/2011).
AgRg no Ag 997.929-BA (4ª T 12/04/2011 – DJe 28/04/2011).
AgRg no Ag 1.357.347-DF (4ª T 03/05/2011 – DJe 09/05/2011).
AgRg no Ag 1.345.744-SP (4ª T 10/05/2011 – DJe 07/06/2011).
AgRg no AREsp 80.075-RJ (4ª T 15/05/2012 – DJe 21/05/2012).



(*) Recurso representativo da controvérsia.


Este texto não substitui o publicado no DJe - STJ de 01.08.2012.


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