Apesar de ser contrato atípico, ou seja não contando com uma
legislação que o regule exaustivamente, o factoring é definido pelo art. 15, III, “d”, da
Lei nº 9.249⁄95, como sendo uma "prestação
cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção de riscos, administração de contas a pagar
e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de
serviços".
Segundo a jurisprudência do STJ, no que
concerne especificamente à compra
de direitos creditórios, aplicam-se ao factoring,
primordialmente, as normas que
regem a cessão civil, pois, apesar da transferência do título ser operada formalmente por endosso, em
sua essência há uma compra e venda de crédito,
mediante pagamento à vista (REsp 612.423⁄DF, minha relatoria, 3ª Turma, DJ 26⁄06⁄2006; REsp 992.421⁄RS,
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel.
p⁄ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3ª Turma, DJe 12⁄12⁄2008).
Vale dizer, por meio do factoring não se negocia o título em si, mas o crédito nele consubstanciado, de modo
que o endosso tem a mera finalidade de legitimar
a respectiva posse pelo cessionário.
Arnaldo Rizzardo, citado por Ricardo Negrão (Manual de
Direito Comercial e de Empresa.
Títulos de Crédito e Contratos Empresariais. 2ª ed. Editora Saraiva. São Paulo : 2011. p.
391), anota que:
“No factoring,
há compra de crédito, ou do ativo de uma empresa, e não apenas dos títulos. Não se opera o
simples endosso, mas a negociação do crédito.
Há uma individualidade própria, um conteúdo mais extenso que o mero endosso, ou a simples cessão de
crédito.”
A par da transferência do título operar-se por
endosso (instituto de natureza
cambial), tem-se também a incidência das regras da cessão civil sobre o fomento mercantil. A propósito, atenta
à natureza sui generis dessa modalidade contratual, a doutrina ora pontua
algumas limitações à aplicação irrestrita da lei civil ora também afasta regramentos de
natureza cambial, sempre em prestígio às nuances
próprias e autônomas do contrato do factoring.
Fran
Martins, ao conceituar instrumento de factoring,
assim leciona:
“O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um
comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas
a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante
o pagamento de uma remuneração.
As principais obrigações do faturizador são pagar ao
faturizado as importâncias relativas às faturas que lhe são apresentadas e assumir o risco do não pagamento, pelo
devedor, das mesmas.” (Contratos e Obrigações
Comerciais, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1990).
Exatamente
em face do risco a que são submetidas as empresas de factoring, cobram elas taxas de remuneração em patamares mais
elevados em relação às demais
financeiras.
No
que tange especificamente às garantias no contrato de factoring, tem-se a lição de Arnaldo Rizzardo:
“Nada tem a reclamar o
factor se não recebe o crédito adquirido, desde que existente, o mesmo quando
da sua transferência. Pela formação do factoring, por sua natureza e história,
não podendo voltar-se o facturizador contra o vendedor do crédito, se não há
vício em sua origem ou formação, garantia nenhuma pode tomar deste. Não é válida a fiança, e muito menos
admite-se o aval no endosso. Inteiramente sem efeito garantias reais, como a
hipoteca ou o penhor.” (Contratos e Obrigações Comerciais, Ed. Forense, Rio
de Janeiro, 1990, p. 559).
Vê-se,
portanto, não se mostrar possível a prestação de garantias no contrato de factoring, tendo em vista que, assim não
fosse, não haveria o risco que justifica a cobrança de comissão pela
faturizadora, restando desvirtuado o instituto.
Não sendo admitido o aval do endosso, é de ser
reconhecida a ilegitimidade passiva
do avalista para responder pela
execução a ser proposta.
Nesse
sentido a jurisprudência do TJRS:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONTRATO DE FACTORING. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO AVALISTA NA EXECUÇÃO. Exatamente em face do risco a que são submetidas as
empresas de factoring, cobram elas taxas
de remuneração em patamares mais elevados em relação às demais financeiras. É
descaracterizado o aval prestado pelo agravado no título de crédito e
configurada sua ilegitimidade passiva pois, assim não fosse, não haveria o risco que justifica a
cobrança de comissão pela faturizadora. Precedentes da Corte e do STJ. RECURSO
DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70018488254, Décima Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 26/04/2007)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FACTORING. AVAL NO ENDOSSO.
INADMISSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO AVALISTA. Caracterizando-se
o contrato de factoring pela aquisição de créditos faturados de uma empresa, mediante
remuneração, assumindo o factor o risco de cobrá-los, não admite a prestação de
garantias, posto que, do contrário, não haveria risco. Não sendo admitido o
aval do endosso, é de ser reconhecida a ilegitimidade passiva daavalista para responder pela execução proposta. Precedentes. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70007592140, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 02/12/2004)
Outro
não é o entendimento do STJ, conforme destacado na sentença recorrida - REsp.
nº 119.705/RS:
“RECURSO
DE ‘HABEAS CORPUS’. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. CRIME. OPERAÇÕES PRIVATIVAS DE
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ‘FACTORING’. RECURSO IMPROVIDO.
[...]
2.
O ‘factoring’ distancia-se da instituição financeira justamente porque seus
negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada
pelo aval ou endosso.
[...]”.
Inclusive o STJ em 2013, firmou teste de que o avalista de nota promissória
emitida para a garantia de contrato de fomento mercantil, não tem legitimidade
ativa para requerer anulação do mesmo, em face da autonomia das obrigações
cambiais:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATO DE
FOMENTO MERCANTIL (FACTORING). EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS EM GARANTIA DE EVENTUAL RESPOSABILIDADE DA
FATURIZADA PELA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO. CAUSA NÃO PASSÍVEL DE SER ALEGADA PELO
AVALISTA. OBRIGAÇÃO CAMBIAL AUTÔNOMA.
DEFESA PRÓPRIA DO DEVEDOR PRINCIPAL. ÔNUS DA PROVA IMPUTÁVEL APENAS A
ESTE. ARTIGO ANALISADO: 333, II, CPC.
1. Embargos do devedor opostos 27/09/2007, do qual foi extraído o
presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 06/03/2012.
2. Discute-se, quando executadas notas promissórias dadas em garantia da
existência de crédito cedido em contrato de factoring, se é ônus do devedor
demonstrar a inocorrência dessa causa.
3. Sendo o embargado avalista das
notas promissórias executadas, é-lhe vedado sustentar a inexistência da causa
que pautou a emissão das notas promissórias executadas, dada a autonomia que
emana do aval e a natureza de exceção pessoal dessa defesa.
4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, improvido.
(REsp 1305637/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 24/09/2013, DJe 02/10/2013)
E cabe transcrever parte do voto da ministra Nancy
Andrighi na supracitada decisão:
O aval, como instituto de direito cambial, é
dotado de autonomia, desprendendo-se
da obrigação avalizada: a existência, validade e eficácia daquele não estão condicionadas à da obrigação
avalizada.
Desse modo, como explica Fábio Ulhoa Coelho (Curso
de Direito Comercial – Direito de
Empresa. Empresa e Estabelecimento. Títulos de Crédito. 14ª ed. Editora Saraiva. São Paulo :
2010. p. 421), "se o credor não puder exercer, por qualquer razão, o direito contra o
avalizado, isto não compromete a obrigação do
avalista".
As obrigações cambiais são autônomas e
independentes umas das outras
(art. 43, Dec. nº 2.044⁄1908). E o aval, como tal, mantém-se hígido mesmo no caso da obrigação que ele garantiu
ser nula por qualquer razão, a exceção de vícios
de forma (art. 32, 2ª alínea, LUG e art. 899, § 2º, CC⁄02).
Rubens Requião (Curso de Direito Comercial. 2º vol. 30ª ed., rev. e at. São
Paulo : 2013. p. 522), nessa esteira, assevera que:
"Sendo as obrigações cambiárias autônomas
umas das outras, o avalista que
está sendo executado em virtude da obrigação avalizada, não pode opor-se ao pagamento, fundado em matéria
atinente à origem do título, que lhe é estranha.
O aval é obrigação formal, autônoma, independente e decorre da simples aposição, no título, da
assinatura do avalista".
Por isso, na ação cambial, somente é admissível
defesa fundada no direito pessoal
do réu contra o autor, bem ainda em defeito de forma do título e na falta de requisito necessário ao exercício
da ação (art. 51, Dec. nº 2.044⁄1908; art.
27, LUG). Nessas exceções não se encaixa a defesa do embargante-recorrente.
Conforme explica Rubens Requião (ob. cit. p.
560), "as exceções fundadas
em direito pessoal [...] devem decorrer das relações
diretas entre devedor e credor cambiários",
hipótese na qual não se inclui o avalista.
Logo
se descaracteriza o aval prestado no título de crédito objeto de ação de execução de contrato de factoring, configurando ilegitimidade passiva do avalista, pois assim não fosse, não
haveria o risco que justifica a cobrança de comissão pela faturizadora.
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