Conforme redação do art. 593 do CPC:
Art. 593. Considera-se
em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I - quando sobre
eles pender ação fundada em direito real;
II - quando, ao
tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de
reduzi-lo à insolvência;
III - nos demais
casos expressos em lei.
No que tange à fraude à execução, ensinam Luiz
Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini (in Curso avançado de processo
civil, volume 2: execução. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 144/145):
“Não se põe como requisito da fraude à
execução a intenção de prejudicar credores (o consilium fraudis). Basta: (I) no
caso do art. 593, I, a pendência da demanda fundada em direito real (o que se
tem com a citação do réu); (II) na hipótese do art. 593, II, a pendência da
demanda e que a alienação ou oneração efetivada reduzam o devedor à
insolvência. Em ambos os casos, para que haja a fraude à execução, não é
preciso que já esteja em curso a execução: é suficiente que esteja pendente
ação de conhecimento.
Embora seja
desnecessária a intenção fraudulenta, há clara orientação na jurisprudência
(especialmente do Superior Tribunal de Justiça) no sentido de reputar
imprescindível a ciência, pelo adquirente, da demanda fundada em direito real
ou capaz de reduzir o devedor à insolvência (Veja-se a Súmula 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do
registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro
adquirente”). (…) é ônus do credor provar
que o adquirente sabia da existência da ação. ”.
Ou seja, após a edição da mencionada Súmula nº 375 do
STJ, passaram a ser requisitos à caracterização da fraude à execução – do art.
593, II, do CPC - não só a alienação do bem após a citação válida e regular do
executado (mesmo que no processo de conhecimento), capaz de acarretar sua
insolvência, como também a prova, pelo credor, da má-fé ou da ciência
inequívoca do terceiro adquirente acerca da pendência da demanda.
A garantia legal de impenhorabilidade do bem de família
visa resguardar o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor esse que o legislador
optou por preservar em detrimento à satisfação executiva do credor.
Essa proteção é fruto do movimento pela despatrimonialização
do Direto Civil, que impõe uma releitura dos institutos à luz do feixe
axiológico trazido pela CF, ou seja, uma verdadeira filtragem constitucional,
na medida em que a interpretação das normas civis deve privilegiar, sempre, a dignidade
da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial, prevista nos
arts. 1º, I, e 3º, III e IV, da CF, tendo, pois, com centro ser humano e suas necessidades
existenciais.
Com efeito, o
entendimento jurisprudencial é no sentido de que, havendo o reconhecimento de
fraude à execução resta afastada a proteção ao bem de família prevista na Lei
nº 8.009/90.
A terceira turma
do STJ emitiu informativo em 10 de setembro de 2014, sobre caso de afastamento
de impenhorabilidade do único imóvel pertencente á família na hipótese em que
os devedores, com o objetivo de blindar o patrimônio doam em fraude a execução
o bem a filho menor impúbere após intimação para cumprimento espontâneo de
sentença:
DIREITO CIVIL. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO DADA AO BEM DE
FAMÍLIA.
Deve ser
afastada a impenhorabilidade do único imóvel pertencente à família na hipótese
em que os devedores, com o objetivo de proteger o seu patrimônio, doem em
fraude à execução o bem a seu filho menor impúbere após serem intimados para o
cumprimento espontâneo da sentença exequenda. De início, cabe ressaltar que o STJ tem restringido a
proteção ao bem de família com o objetivo de prevenir fraudes, evitando
prestigiar a má-fé do devedor. Nesse sentido: “o bem que retorna ao patrimônio
do devedor, por força de reconhecimento de fraude à execução, não goza da
proteção da impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/90” (AgRg no REsp
1.085.381-SP, Sexta Turma, DJe de 30/3/2009); “é possível, com fundamento em
abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90” (REsp
1.299.580-RJ, Terceira Turma, DJe de 25/10/2012). Nessa conjuntura, a doação
feita a menor impúbere, nas circunstâncias ora em análise, além de configurar
tentativa de fraude à execução, caracteriza abuso de direito apto a afastar a proteção
dada pela Lei 8.009/1990. Com efeito, nenhuma norma, em nosso sistema jurídico,
pode ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé. No que tange à
aplicação das disposições jurídicas da Lei 8.009/1990, há uma ponderação de
valores que se exige do Juiz, em cada situação particular: de um lado, o
direito ao mínimo existencial do devedor ou sua família; de outro, o direito à
tutela executiva do credor; ambos, frise-se, direitos fundamentais das partes.
Trata-se de sopesar a impenhorabilidade do bem de família e a ocorrência de
fraude de execução. Assim, é preciso considerar que, em regra, o devedor que
aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel, onde reside a família, está,
ao mesmo tempo, dispondo da proteção da Lei 8.009/1990, na medida em que seu
comportamento evidencia que o bem não lhe serve mais à moradia ou subsistência.
Do contrário, estar-se-ia a admitir o venire contra factum proprium. REsp
1.364.509-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/6/2014.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. FRAUDE À EXECUÇÃO. O RECONHECIMENTO DA
FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTA A PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. PEDIDO SUCESSIVO DE
RECONHECIMENTO DA COMPRA DA MEAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO-CONHECIMENTO DO
RECURSO NO PONTO APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação
Cível Nº 70052782455, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 24/04/2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
RECONHECIMENTO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DE BEM ANTERIOR À VIGÊNCIA DA
LEI COMPLEMENTAR 118/2005. Ocorrência de alienação de imóvel em momento
posterior ao ajuizamento da execução fiscal. Configurada citação válida, pois o
negócio jurídico perpetrou-se antes da entrada em vigor da Lei Complementar
118/2005. Inteligência do art. 185 do Código Tributário Nacional e do acórdão
proferido no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.141.990/PR,
do Superior Tribunal de Justiça. Inaplicabilidade da Súmula 375 do Superior
Tribunal de Justiça em matéria de execução fiscal. Alegada impenhorabilidade de
bem de família da adquirente que não prospera, pois, constatada a fraude, o bem
retorna ao patrimônio do devedor, sendo que o negócio sequer é considerado
existente. Precedentes Decisão reformada. DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70057300162, Segunda Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em
18/12/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁ-RIO. EMBARGOS DE
TERCEIRO. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. A NÃO REALIZAÇÃO DA
PROVA REQUERIDA NÃO CARACTERIZA CERCEAMENTO DE DEFESA (CF/88, ART. 5º),
PRINCIPALMENTE, QUANDO AS DEMAIS PROVAS DO PROCESSO AUTORIZAM O JULGAMENTO DA
LIDE, PARA O QUAL, A INSTRU-ÇÃO PRETENDIDA SERIA TOTALMENTE DESPICI-ENDA. DA
NULIDADE DA PENHORA. INOVAÇÃO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO NÃO CONSTANTE DA INICIAL,
SOMENTE VENTILADA EM
SEDE DE APE-LAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO.
IMPENHORABILIDADE DO BEM. O RECONHECI-MENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTA A
PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA MANTIDA. CONHECERAM DE PARTE DO RECUR-SO
E, NESTA EXTENSÃO, NEGARAM PROVIMEN-TO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº
70047679089, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Re-lator: Rubem Duarte , Julgado em 30/05/2012)
APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO ADESIVO. EMBARGOS DE TERCEIRO.
ILEGITIMIDADE ATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA DO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE
LEGITIMAÇÃO DOS EMBARGANTES PARA INVOCÁ-LA. BEM DE FAMÍLIA. FRAUDE À EXECUÇÃO.
EFEITOS. MEAÇÃO. 1. Patente a ilegitimidade ativa da embargante Rita para opor
embargos em defesa de sua meação, já que doou o imóvel a sua filha e,
consequentemente, não possui direito patrimonial sobr e
o bem que reivindica. 2. Inviabilidade de os apelantes alegarem cerceamento de
defesa em nome do executado, devendo este, se for o caso, vir a juízo reclamar
seus direitos 3. Fraude à execução já reconhecida em outro processo, cujos
efeitos se estendem a este, pela indivisibilidade da situação jurídica.
Tratando-se de ineficácia do ato, e não de invalidade, fica aquela restrita à
doação da parte do devedor, sem atingir a doação feita pela embargante Rita. 4.
Impossibilidade de se invocar a impenhorabilidade do imóvel, por se tratar de
bem de família, quando tenha sido reconhecida a fraude à execução. Precedentes
do STJ nesse sentido. Entendimento contrário poderia esvaziar os efeitos de eventual
reconhecimento de fraude à execução relacionada a imóvel residencial. 5.
Impugnação à avaliação do imóvel rejeitada. Apelações e recurso adesivo
desprovidos. (Apelação Cível Nº 70029029451, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 28/06/2011)
Ainda no Superior
Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. ART. 1º DA LEI
8.009/90. IMPENHORABILIDADE. ABUSO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E MÁ-FÉ DO
PROPRIETÁRIO, QUE OFERTOU O BEM EM GARANTIA PARA INGRESSO
NO REFIS. INADIMPLÊNCIA DO PARCELAMENTO. EXCLUSÃO. EXECUÇÃO DA GARANTIA.
PENHORA. INAPLICABILIDADE DA REGRA PROTETIVA.
1. Resume-se a controvérsia em definir se o bem de família,
ofertado como garantia para ingresso no REFIS, pode ser penhorado quando o
contribuinte é excluído do parcelamento fiscal por inadimplência.
3. Trata-se, todavia, de situação peculiar, que não se amolda à
jurisprudência pacificada. Os proprietários do bem de família, de maneira
fraudulenta e com abuso do direito de propriedade e manifesta violação da
boa-fé objetiva, obtiveram autorização para ingresso no REFIS ao ofertar, em
garantia, bem sabidamente impenhorável, conduta agravada pelo fato de serem reincidentes,
pois o bem, em momento anterior, já havia sido dado em hipoteca como garantia
de empréstimo bancário.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1200112/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,
julgado em 07/08/2012, DJe 21/08/2012)
Nesse contexto, é possível, com fundamento em abuso direto,
reconhecida a fraude execução, afastar a
proteção conferida pela Lei 8.09/0.
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