Patrick Mattos

Patrick Mattos

domingo, 21 de setembro de 2014

RECONHECIDA A FRAUDE À EXECUÇÃO, RESTA AFASTADA A PROTEÇÃO AO BEM DE FAMÍLIA PREVISTA NA LEI Nº 8.009/90. PRECEDENTE DA 3ª TURMA DO STJ.





Conforme redação do art. 593 do CPC:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.

No que tange à fraude à execução, ensinam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini (in Curso avançado de processo civil, volume 2: execução. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 144/145):

Não se põe como requisito da fraude à execução a intenção de prejudicar credores (o consilium fraudis). Basta: (I) no caso do art. 593, I, a pendência da demanda fundada em direito real (o que se tem com a citação do réu); (II) na hipótese do art. 593, II, a pendência da demanda e que a alienação ou oneração efetivada reduzam o devedor à insolvência. Em ambos os casos, para que haja a fraude à execução, não é preciso que já esteja em curso a execução: é suficiente que esteja pendente ação de conhecimento.
Embora seja desnecessária a intenção fraudulenta, há clara orientação na jurisprudência (especialmente do Superior Tribunal de Justiça) no sentido de reputar imprescindível a ciência, pelo adquirente, da demanda fundada em direito real ou capaz de reduzir o devedor à insolvência (Veja-se a Súmula 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”). (…) é ônus do credor provar que o adquirente sabia da existência da ação. ”.

Ou seja, após a edição da mencionada Súmula nº 375 do STJ, passaram a ser requisitos à caracterização da fraude à execução – do art. 593, II, do CPC - não só a alienação do bem após a citação válida e regular do executado (mesmo que no processo de conhecimento), capaz de acarretar sua insolvência, como também a prova, pelo credor, da má-fé ou da ciência inequívoca do terceiro adquirente acerca da pendência da demanda.

A garantia legal de impenhorabilidade do bem de família visa resguardar o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor esse que o legislador optou por preservar em detrimento à satisfação executiva do credor.

Essa proteção é fruto do movimento pela despatrimonialização do Direto Civil, que impõe uma releitura dos institutos à luz do feixe axiológico trazido pela CF, ou seja, uma verdadeira filtragem constitucional, na medida em que a interpretação das normas civis deve privilegiar, sempre, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial, prevista nos arts. 1º, I, e 3º, III e IV, da CF, tendo, pois, com centro ser humano e suas necessidades existenciais.

Com efeito, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que, havendo o reconhecimento de fraude à execução resta afastada a proteção ao bem de família prevista na Lei nº 8.009/90.

A terceira turma do STJ emitiu informativo em 10 de setembro de 2014, sobre caso de afastamento de impenhorabilidade do único imóvel pertencente á família na hipótese em que os devedores, com o objetivo de blindar o patrimônio doam em fraude a execução o bem a filho menor impúbere após intimação para cumprimento espontâneo de sentença:

DIREITO CIVIL. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO DADA AO BEM DE FAMÍLIA.
Deve ser afastada a impenhorabilidade do único imóvel pertencente à família na hipótese em que os devedores, com o objetivo de proteger o seu patrimônio, doem em fraude à execução o bem a seu filho menor impúbere após serem intimados para o cumprimento espontâneo da sentença exequenda. De início, cabe ressaltar que o STJ tem restringido a proteção ao bem de família com o objetivo de prevenir fraudes, evitando prestigiar a má-fé do devedor. Nesse sentido: “o bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força de reconhecimento de fraude à execução, não goza da proteção da impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/90” (AgRg no REsp 1.085.381-SP, Sexta Turma, DJe de 30/3/2009); “é possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90” (REsp 1.299.580-RJ, Terceira Turma, DJe de 25/10/2012). Nessa conjuntura, a doação feita a menor impúbere, nas circunstâncias ora em análise, além de configurar tentativa de fraude à execução, caracteriza abuso de direito apto a afastar a proteção dada pela Lei 8.009/1990. Com efeito, nenhuma norma, em nosso sistema jurídico, pode ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé. No que tange à aplicação das disposições jurídicas da Lei 8.009/1990, há uma ponderação de valores que se exige do Juiz, em cada situação particular: de um lado, o direito ao mínimo existencial do devedor ou sua família; de outro, o direito à tutela executiva do credor; ambos, frise-se, direitos fundamentais das partes. Trata-se de sopesar a impenhorabilidade do bem de família e a ocorrência de fraude de execução. Assim, é preciso considerar que, em regra, o devedor que aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel, onde reside a família, está, ao mesmo tempo, dispondo da proteção da Lei 8.009/1990, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não lhe serve mais à moradia ou subsistência. Do contrário, estar-se-ia a admitir o venire contra factum propriumREsp 1.364.509-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/6/2014.

Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. FRAUDE À EXECUÇÃO. O RECONHECIMENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTA A PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. PEDIDO SUCESSIVO DE RECONHECIMENTO DA COMPRA DA MEAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO NO PONTO APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052782455, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 24/04/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RECONHECIMENTO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DE BEM ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005. Ocorrência de alienação de imóvel em momento posterior ao ajuizamento da execução fiscal. Configurada citação válida, pois o negócio jurídico perpetrou-se antes da entrada em vigor da Lei Complementar 118/2005. Inteligência do art. 185 do Código Tributário Nacional e do acórdão proferido no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.141.990/PR, do Superior Tribunal de Justiça. Inaplicabilidade da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça em matéria de execução fiscal. Alegada impenhorabilidade de bem de família da adquirente que não prospera, pois, constatada a fraude, o bem retorna ao patrimônio do devedor, sendo que o negócio sequer é considerado existente. Precedentes Decisão reformada. DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70057300162, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 18/12/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁ-RIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. A NÃO REALIZAÇÃO DA PROVA REQUERIDA NÃO CARACTERIZA CERCEAMENTO DE DEFESA (CF/88, ART. 5º), PRINCIPALMENTE, QUANDO AS DEMAIS PROVAS DO PROCESSO AUTORIZAM O JULGAMENTO DA LIDE, PARA O QUAL, A INSTRU-ÇÃO PRETENDIDA SERIA TOTALMENTE DESPICI-ENDA. DA NULIDADE DA PENHORA. INOVAÇÃO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO NÃO CONSTANTE DA INICIAL, SOMENTE VENTILADA EM SEDE DE APE-LAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. IMPENHORABILIDADE DO BEM. O RECONHECI-MENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTA A PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA MANTIDA. CONHECERAM DE PARTE DO RECUR-SO E, NESTA EXTENSÃO, NEGARAM PROVIMEN-TO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70047679089, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Re-lator: Rubem Duarte, Julgado em 30/05/2012)

APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO ADESIVO. EMBARGOS DE TERCEIRO. ILEGITIMIDADE ATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA DO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO DOS EMBARGANTES PARA INVOCÁ-LA. BEM DE FAMÍLIA. FRAUDE À EXECUÇÃO. EFEITOS. MEAÇÃO. 1. Patente a ilegitimidade ativa da embargante Rita para opor embargos em defesa de sua meação, já que doou o imóvel a sua filha e, consequentemente, não possui direito patrimonial sobre o bem que reivindica. 2. Inviabilidade de os apelantes alegarem cerceamento de defesa em nome do executado, devendo este, se for o caso, vir a juízo reclamar seus direitos 3. Fraude à execução já reconhecida em outro processo, cujos efeitos se estendem a este, pela indivisibilidade da situação jurídica. Tratando-se de ineficácia do ato, e não de invalidade, fica aquela restrita à doação da parte do devedor, sem atingir a doação feita pela embargante Rita. 4. Impossibilidade de se invocar a impenhorabilidade do imóvel, por se tratar de bem de família, quando tenha sido reconhecida a fraude à execução. Precedentes do STJ nesse sentido. Entendimento contrário poderia esvaziar os efeitos de eventual reconhecimento de fraude à execução relacionada a imóvel residencial. 5. Impugnação à avaliação do imóvel rejeitada. Apelações e recurso adesivo desprovidos. (Apelação Cível Nº 70029029451, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 28/06/2011)

Ainda no Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. ART. 1º DA LEI 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. ABUSO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E MÁ-FÉ DO PROPRIETÁRIO, QUE OFERTOU O BEM EM GARANTIA PARA INGRESSO NO REFIS. INADIMPLÊNCIA DO PARCELAMENTO. EXCLUSÃO. EXECUÇÃO DA GARANTIA. PENHORA. INAPLICABILIDADE DA REGRA PROTETIVA.
1. Resume-se a controvérsia em definir se o bem de família, ofertado como garantia para ingresso no REFIS, pode ser penhorado quando o contribuinte é excluído do parcelamento fiscal por inadimplência.
2. A jurisprudência desta Corte reconhece que a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada.
3. Trata-se, todavia, de situação peculiar, que não se amolda à jurisprudência pacificada. Os proprietários do bem de família, de maneira fraudulenta e com abuso do direito de propriedade e manifesta violação da boa-fé objetiva, obtiveram autorização para ingresso no REFIS ao ofertar, em garantia, bem sabidamente impenhorável, conduta agravada pelo fato de serem reincidentes, pois o bem, em momento anterior, já havia sido dado em hipoteca como garantia de empréstimo bancário.
4. A regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário conduzem à ineficácia da norma protetiva, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico.
5. A boa-fé do devedor é determinante para que se possa socorrer da regra protetiva do art. 1º da Lei 8.009/90, devendo ser reprimidos quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores, de obter benefício indevido ou de retardar o trâmite do processo de cobrança.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1200112/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 21/08/2012)

Nesse contexto, é possível, com fundamento em abuso direto,  reconhecida a fraude execução, afastar a proteção conferida pela Lei 8.09/0.



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