É de praxe nos contratos
imobiliários e de financiamento de veículos automotores, que possuam cláusula
penal de inadimplência e rescisão contratual para a devolução dos valores.
Após a notificação de
constituição em mora, o empresário considera a rescisão tácita do contrato e maneja
imediatamente a consignação em pagamento do valor que considera devido para se
ver livre da obrigação e possa negociar o bem com outro comprador.
Porém a simples notificação
de constituição em mora do credor não dá causa a consignação, visto que a mora
pode ser purgada, e o credor/consumidor pode aceitar a rescisão e o valor
oferecido pelo empresário não havendo assim recusa.
Com efeito,
a ação de consignação em pagamento é a via processual pelo qual pode se valer o
devedor para efetuar o pagamento, e, assim não sofrer os efeitos da mora,
sempre que, por recusa injustificada do credor ou outros motivos que
obstaculizem a realização de pagamento, não puder adimplir com os valores
devidos. Sua previsão legal se encontra no artigo 335 do Código Civil, o qual
dispõe o seguinte:
Art. 335. A consignação tem
lugar:
I - se o credor não
puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na
devida forma;
II - se o credor não for,
nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
III - se o credor for
incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar
incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida
sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V - se pender litígio
sobre o objeto do pagamento.
Ou seja,
para o cabimento da ação de consignação em pagamento, se faz necessário que o
autor comprove que enfrentou circunstância que tornou impossível a realização
do pagamento ao credor na forma e/ou local pactuados.
O interesse de agir, que se consubstancia
quando o autor tem a necessidade de se valer da via processual para alcançar o
bem da vida pretendido, interesse esse que está sendo resistido pela parte ex
adversa, bem como quando a via processual lhe traga utilidade real, ou
seja, a possibilidade de que a obtenção da tutela pretendida melhore na sua
condição jurídica, é uma das condições da ação, previstas no art. 267, inc. VI,
do CPC.
O mestre
Araken de Assis[1],
ao comentar o preconizado no aludido dispositivo legal afirma que:
“7. Condições da ação. O inc. VI do art. 267 trata da extinção do
processo sem resolução do mérito, se faltantes as condições da ação –
legitimidade ad causam das partes, interesse processual e possibilidade
jurídica do pedido. Sem que estejam presentes as condições da ação, impossível
cogitar-se da apreciação do mérito da causa.”
Entende-se
por interesse processual o que representa o binômio necessidade-utilidade, ou
para alguns, necessidade-adequação. Há que existir a necessidade da tutela
jurisdicional, ou seja, se por outro modo lícito se puder atingir a pretensão
do autor, este deverá perseguir tal procedimento.
Humbero
Theodoro Junior, citando Alfredo Buzaid, considera:
"O interesse de
agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do
processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há
interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e
daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção
dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não apenas na
utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à
aplicação do direito objetivo no caso concreto".[2]
No caso
concreto, o procedimento especial de consignação em pagamento está disciplinado
nos artigos 890 a
899 do CPC e nos artigos 334 a
345 do CC.
E, no art. 336 do CCB que “para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram
em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os
quais não é válido o pagamento.”
Nesse
sentido, assim já se manifestou a jurisprudência:
Ementa: APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO DE
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CARÊNCIA DE AÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL DEAGIR. AUSÊNCIA DE PROVA
DA RECUSA DO CREDOR. O interesse de agir consubstancia-se quando o autor tem a necessidade de se valer
da via processual para alcançar o bem da vida pretendido, interesse esse
que está sendo resistido pela parte ex adversa, bem como quando a via
processual lhe traga utilidade real, ou seja, a possibilidade de que a obtenção
da tutela pretendida melhore na sua condição jurídica. Como uma das condições
da ação para a propositura de demanda consignatória está arecusa do credor em receber/dar quitação do débito. Exegese do art.
335 do CCB. É ônus do autor comprovar quando do ajuizamento da ação a efetiva
tentativa depagamento e a recusa injustificada do credor. E, in casu, o valor
depositado é inferior ao efetivamente estipulado no contrato, sequer cobrindo o
valor do principal, sendo insuficiente o depósito. APELO DESPROVIDO. (Apelação
Cível Nº 70056563737, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Roberto Sbravati, Julgado em 17/10/2013)
Ementa: APELAÇÃO
CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO DE
ARRENDAMENTO. REQUISITOS. ARTIGO 335 DO CPC. AUSÊNCIA NO CASO. JUNTADA DE CARTA
AR RETORNADA QUE NÃO É PROVA SUFICIENTE A DEMONSTRAR A RECUSA DOS
CREDORES EM RECEBER OS VALORES OU A IMPOSSIBILIDADE FÍSICA DE CONTATÁ-LOS.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. 1. A ação de consignação em pagamento tem lugar quando o credor recusar-se
injustificadamente a receber os valores devidos, ou, por alguma outra razão, o
devedor encontre obstáculo ao adimplemento do pagamento. Rol de cabimento que se encontra previsto no artigo 335 do
Código Civil. 2. Caso em que a autora não demonstrou a necessidade e utilidade
no provimento jurisdicional requerido na inicial, uma vez que, para fins de
demonstrar a resistência da parte credora em receber os valores relacionados com
o contrato de arrendamento firmado entre as partes e/ou impossibilidade no pagamento, se limitou a
juntar cópia de carta AR retornada, o que não presta para tal fim, em especial
se considerando que a devedora se trata de empresa do ramo da construção civil,
possuindo condições técnicas para contatar os credores, bem
com o fato de que o contrato se encontra em vigência desde 1996, e, ao que se
tem notícia, não houve anteriormente problemas na realização dos pagamentos.
Manutenção da sentença que julgou extinto o feito, sem julgamento de mérito,
ante a ausência deinteresse de agir. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057679953,
Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros
Nogueira, Julgado em 18/12/2013)
Dessa
forma, a simples juntada notificação de constituição de mora não é prova
suficiente de que tenha a consignante enfrentado a dificuldade no pagamento,
devendo ser extinta a consignação por carência da ação em face da ausência de recusa e consequente falta do interesse de agir.
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