Patrick Mattos

Patrick Mattos

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DA CARÊNCIA DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO NOS CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E IMOBILIÁRIOS POR AUSÊNCIA DE PROVA DA RECUSA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DA EMPRESA.




É de praxe nos contratos imobiliários e de financiamento de veículos automotores, que possuam cláusula penal de inadimplência e rescisão contratual para a devolução dos valores.

Após a notificação de constituição em mora, o empresário considera a rescisão tácita do contrato e maneja imediatamente a consignação em pagamento do valor que considera devido para se ver livre da obrigação e possa negociar o bem com outro comprador.

Porém a simples notificação de constituição em mora do credor não dá causa a consignação, visto que a mora pode ser purgada, e o credor/consumidor pode aceitar a rescisão e o valor oferecido pelo empresário não havendo assim recusa.

Com efeito, a ação de consignação em pagamento é a via processual pelo qual pode se valer o devedor para efetuar o pagamento, e, assim não sofrer os efeitos da mora, sempre que, por recusa injustificada do credor ou outros motivos que obstaculizem a realização de pagamento, não puder adimplir com os valores devidos. Sua previsão legal se encontra no artigo 335 do Código Civil, o qual dispõe o seguinte:

Art. 335. A consignação tem lugar:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Ou seja, para o cabimento da ação de consignação em pagamento, se faz necessário que o autor comprove que enfrentou circunstância que tornou impossível a realização do pagamento ao credor na forma e/ou local pactuados. 

O interesse de agir, que se consubstancia quando o autor tem a necessidade de se valer da via processual para alcançar o bem da vida pretendido, interesse esse que está sendo resistido pela parte ex adversa, bem como quando a via processual lhe traga utilidade real, ou seja, a possibilidade de que a obtenção da tutela pretendida melhore na sua condição jurídica, é uma das condições da ação, previstas no art. 267, inc. VI, do CPC.

O mestre Araken de Assis[1], ao comentar o preconizado no aludido dispositivo legal afirma que:

7. Condições da ação. O inc. VI do art. 267 trata da extinção do processo sem resolução do mérito, se faltantes as condições da ação – legitimidade ad causam das partes, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido. Sem que estejam presentes as condições da ação, impossível cogitar-se da apreciação do mérito da causa.”
                       
Entende-se por interesse processual o que representa o binômio necessidade-utilidade, ou para alguns, necessidade-adequação. Há que existir a necessidade da tutela jurisdicional, ou seja, se por outro modo lícito se puder atingir a pretensão do autor, este deverá perseguir tal procedimento.
                       
Humbero Theodoro Junior, citando Alfredo Buzaid, considera:

"O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto".[2]

No caso concreto, o procedimento especial de consignação em pagamento está disciplinado nos artigos 890 a 899 do CPC e nos artigos 334 a 345 do CC.

 E, no art. 336 do CCB que “para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.”

Nesse sentido, assim já se manifestou a jurisprudência:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CARÊNCIA DE AÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL DEAGIR. AUSÊNCIA DE PROVA DA RECUSA DO CREDOR. O interesse de agir consubstancia-se quando o autor tem a necessidade de se valer da via processual para alcançar o bem da vida pretendido, interesse esse que está sendo resistido pela parte ex adversa, bem como quando a via processual lhe traga utilidade real, ou seja, a possibilidade de que a obtenção da tutela pretendida melhore na sua condição jurídica. Como uma das condições da ação para a propositura de demanda consignatória está arecusa do credor em receber/dar quitação do débito. Exegese do art. 335 do CCB. É ônus do autor comprovar quando do ajuizamento da ação a efetiva tentativa depagamento e a recusa injustificada do credor. E, in casu, o valor depositado é inferior ao efetivamente estipulado no contrato, sequer cobrindo o valor do principal, sendo insuficiente o depósito. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70056563737, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Julgado em 17/10/2013)


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO. REQUISITOS. ARTIGO 335 DO CPC. AUSÊNCIA NO CASO. JUNTADA DE CARTA AR RETORNADA QUE NÃO É PROVA SUFICIENTE A DEMONSTRAR A RECUSA DOS CREDORES EM RECEBER OS VALORES OU A IMPOSSIBILIDADE FÍSICA DE CONTATÁ-LOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. 1. A ação de consignação em pagamento tem lugar quando o credor recusar-se injustificadamente a receber os valores devidos, ou, por alguma outra razão, o devedor encontre obstáculo ao adimplemento do pagamento. Rol de cabimento que se encontra previsto no artigo 335 do Código Civil. 2. Caso em que a autora não demonstrou a necessidade e utilidade no provimento jurisdicional requerido na inicial, uma vez que, para fins de demonstrar a resistência da parte credora em receber os valores relacionados com o contrato de arrendamento firmado entre as partes e/ou impossibilidade no pagamento, se limitou a juntar cópia de carta AR retornada, o que não presta para tal fim, em especial se considerando que a devedora se trata de empresa do ramo da construção civil, possuindo condições técnicas para contatar os credores, bem com o fato de que o contrato se encontra em vigência desde 1996, e, ao que se tem notícia, não houve anteriormente problemas na realização dos pagamentos. Manutenção da sentença que julgou extinto o feito, sem julgamento de mérito, ante a ausência deinteresse de agir. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057679953, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 18/12/2013)

 Dessa forma, a simples juntada notificação de constituição de mora não é prova suficiente de que tenha a consignante enfrentado a dificuldade no pagamento, devendo ser extinta a consignação por carência da ação em face da ausência de recusa e consequente falta do interesse de agir.








[1] Comentários ao Código de Processo Civil com apontamentos sobre o projeto do novo CPC. 2ª ed., rev., atual. e ampl. Editora: Revista dos Tribunais. 2012. p. 584.
[2]   in Agravo de Petição, n°. 39, p.p. 88-89." 


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